sexta-feira, 1 de junho de 2012







Um pássaro anunciador de epifanias

Alexandre Bonafim

Verdadeiro Roman-fleuve (“romance-rio”), O pássaro da escuridão de Eugênia Sereno é, com toda certeza, um monumento da literatura de nosso país. Obra de largo fôlego, de uma inventividade soberba e exuberante, o livro de Eugênia integra o panteão dos grandes romances da literatura brasileira, especialmente as narrativas de prodigalizado e extenso fôlego e que se configuram como obras de ambicioso e harmônico desenho arquitetural, tais como A república dos sonhos, de Nélida Piñon, A menina morta, de Cornélio Pena e, claro, o Grande sertão veredas de Guimarães Rosa.
            Vencedor do prêmio Jabuti de 1966, tal obra teve, no entanto, poucas edições. Foram, ao todo, apenas cinco, sendo a última de 1984. Depois dessa derradeira publicação, o livro, misteriosamente, caiu em um quase completo esquecimento, configurando-se, dentre muitos outros exemplos de nossas letras, como uma verdadeira injustiça canônica[1]. Tal como A menina morta de Pena, ou o Chapadão do Bugre de Mário Palmério, O pássaro da escuridão não encontrou, ainda, seu valor merecido. Isso nos faz pensar o quanto a literatura brasileira do século XX, século iluminado, de fecunda e grande produtividade literária, ainda precisa ser devidamente balizado, avaliado, para que se cumpram certos nomes ainda excluídos do cânone.
            Com efeito, O pássaro da escuridão não é apenas uma grande obra, é um daqueles livros fundamentais de nossa literatura, romance capital e centralizador, texto que se configura não apenas como um dos pontos altos das nossas letras, mas, também, com toda certeza, como patrimônio universal da humanidade.
            Com a meticulosa paciência dos artífices, em um verdadeiro artesanato de ourivesaria, Eugênia devotou praticamente a existência inteira à manufatura de seu único romance. Foi daquelas escritoras de grande consciência estética, de apurado senso criador, capaz de concentrar toda sua potência inventiva na exaustiva elaboração e reelaboração de sua escrita. Talvez em decorrência disso, tornou-se autora de escassa produção, dando aos seus leitores, justamente, apenas um livro. Todavia, por ser a obra paciente de toda uma existência, O pássaro da escuridão alçou uma configuração tão exemplar e harmônica, que se tornou, inegavelmente, uma verdadeira obra prima.
            Nesse sentido, indo na contramão de nossa era ultramoderna, em que o tempo veloz, desumano, e a criação em série, em massa, tornaram-se o apanágio de um estilo de vida cada vez mais banalizado, Eugênia instaurou, na perspectiva de Walter Benjamin, uma obra ainda irradiada pela aura dos objetos vivos, feitos com a lentidão daqueles que vivem não na balbúrdia de instantes sem sentido, mas no tempo que se faz arte e existência íntegra.
           
Um romance-poema

            Dentre os muitos elementos a compor o romance, um ganha, com toda certeza, destaque e, de certa forma, determina toda a orquestração formal da obra. Trata-se da alta voltagem lírica da escrita de Eugênia. Tão poética é sua textura, que ela simplesmente criou um verdadeiro romance-poema, no qual a linguagem, mais que a trama, é a grande e soberana personagem. Nesse sentido, Eugênia desfilou uma série de recursos poéticos a configurar o romance enquanto poema.
            Salta aos olhos a quase ilimitada fúria criativa da escritora paulista, ao inventar um léxico particularíssimo e soberbamente inventivo. A expressão coloquial mescla-se a uma linguagem altamente elaborada, na qual a erudição e o fecundo conhecimento da língua dão mostras de uma autora devidamente irrigada pelas matrizes culturais do português e das literaturas tanto vernáculas quanto estrangeiras.
            Por sua vez, as personagens, num fecundo jogo de verossimilhança, expressam a fala viva, encarnada no cotidiano, expressão quase que direta da própria existência, numa liberdade expressiva plena e vibrante de poesia.
Podemos analisar, como exemplo, o caso de uma das inúmeras personagens do romance, a negra Brejaúba, espécie de bruxa e exímia cozinheira, mulher que desvela, em sua fala, toda a vivacidade de sua expressão existencial. Tal criatura eugeniana manifesta, em seu discurso, o pensamento do senso comum, numa plena proximidade entre escrita e língua falada. Ao manifestar a crendice pela qual as grávidas imprimem em seus filhos as marcas de desejos não saciados, Brejaúba nos traz uma linguagem de imensa força expressiva, irrigada pela experimentação da fala coloquial:

Dizque tem lá ũa hora, que mulher, que pega barriga, não pode não, padecer desejo niú. Ora pois, por via dum desejo, cria minha que tive e que morreu nasceu com fruitinha preta no baixo do queixo e no vão das partes, por causa dũa vontade que padeci, afincando na jabuticaba temporana a minha idéia” – grifos nossos

Conforme podemos notar no referido fragmento, algumas palavras (por nós grifadas), quase são reduzidas ao som onomatopéico da língua falada. Além dessa contundente manifestação de uma linguagem fincada na vida, temos, por outro lado, o pensamento mítico-religioso, repleto de superstições, pensamento esse a formar o húmus arcaico da alma das personagens. Vejamos outro exemplo, em que isso é notório. A negra Brejaúba indica, à sua patroa, Donana, o aspecto do tempo a se esboçar no céu:

- Siá Donana! Vigie só pra o céu, que de repente noitejou. Êle vai chover, bem capaz que chuvada de caroço, com ventaneira. Não vê que vi um lâmpado por riba do morro e escutei trovisco braboso lá no longe de detrás do mato. Santa Barbra! São Jerômio! Melhor esconder as tesouras, tampar os espelhos com panos e rezar a reza que conjura raio.

            Um pensamento lírico-maravilhoso irriga toda a trama e encontra na coruja, o pássaro anunciador da morte, seu emblema central e mote lírico de toda a marcha romanesca.
            Além dessa fala encarnada, plena de inventividade a partir da experiência viva da língua falada, temos o uso de um léxico eminentemente eugeniano. Palavras cuja ortografia e inventividade são plasticamente configuradas pela imaginação lírica da autora. Citemos alguns exemplos: ingàzeira, cambucàzeira, fumiflamante, formidolosa, relâmpio, naturaleza, flaflar, mìssimamente, psicalgia, tristimania, ansiologia. Cabe aqui ressaltar não apenas os neologismos, alguns irrigados de humor, como também o uso pessoalíssimo de acentos fora da regra do português canônico, apropriando-se, inclusive, de procedimentos ortográficos de outras línguas, como também do português arcaico[2].
            Esse procedimento acaba criando uma linguagem repleta de surpresas, de suspensões, algo semelhante ao ritmo semântico proposto por Gerard Manley Hopkins que, conforme Augusto de Campos, gerou uma escrita em constante curto-circuito, em que a novidade sempre à espreita faz com que o leitor fique plenamente desperto ante as surpresas e raridades criativas. Assim, tal como o poeta inglês, Eugênia levou a sua escrita “a um grau de radicalização sintático-semântica só comparável ao dos mais ousados simbolistas franceses. Torceu a sintaxe em construções e inflexões inusitadas, criou neologismos e compósitos vocabulares sem precedentes, e inovou [...] o ritmo, até chegar à disciplina livre do seu sprung rhythm (ritmo saltado ou saltante)”. Como o poeta de língua inglesa, Eugênia “reabilitou a aliteração, a assonância e a paranomásia, erigindo tais recursos estilísticos em fatores privilegiados da estruturação do texto”[3].
            Em muitos fragmentos, o jogo melódico das aliterações toma grande influxo, cadenciando a linguagem. Em várias passagens isso fica notório, com nesse fragmento, em que uma personagem emblemática, o major Candico, expressa o desejo de ver-se distante do pequeno burgo onde mora: “o major tamborila hirsutos dedos na vidraça, pensando em lonjuras para onde gostaria de ir, a fim de arejar a família, fazê-la fruir eflúvios de flôres de primavera francesa ou de verão levantino” – grifo nosso. Esse último fragmento grifado, todo irrigado pelos sons fricativos, poderia perfeitamente se configurar como um verso bem ao gosto dos simbolistas.
            Em outros casos, a autora utiliza enumerações, em que elementos típicos da vida provinciana são elencados com força declamatória. Vejamos essa passagem, em que Eugênia enumera as comidas de uma festa:

Tem leitão oloroso e assado, dando risada na bandeja. Com muita azeitona e branquinha de primeira. Mocotó e cabrito. Caxirim sem escassez nenhuma. Bandejonas de mãe-benta e folhos-de-sinhá. Espera-marido, à tripa forra. Beijo-de-moça e redondelas de rosca, nem se fala. Manmpança, à farta. Mais uns cinqüenta-mil-réis do grudento puxa-puxa da Chica Pacheca. Bem-casados, quem nem têm conta. Um cêsto de samburá de picolé de mel-do-mato e de mumbuca. Peixe pimentoso e adroso, colorau, buchada, guisado de siri, môlhos de urucum, jiquitaia e aolhos-de-janeiro, rabo de porca, beiço de boi, torta de tartaruga e outra aromadas ternura da terra, que picam a língua, são poemas de Pantagruel para deleitarem as gentes até o Sol raiar sobre a missa-das-almas.

            Toda uma profusão de aromas, de sabores, de cores é esboçada nesse fragmento, numa verdadeira elegia à gula e ao prazer. A poesia, assim, reside no tom de ladainha de muitos fragmentos compostos por enumeração, em que o ritmo fica cadenciado pelo jogo de palavras em caleidoscópio, numa espécie de carteado de signos.
            Um fato, entretanto, arremata o que até agora vínhamos expondo. Uma importante passagem do romance, apresentada a mim pelo poeta amigo Marcelo Ariel, foi publicada à parte, no suplemento cultural do Estado de São Paulo na década de sessenta. Tal fragmento, lido isoladamente, é, na verdade, uma belíssima elegia em frases de ritmo solto, semelhante ao verso livre, configurando-se um texto independente a fulgurar no meio das centenas de páginas do romance. Vejamos um fragmento:

 Pirilampos meus, brilhai! Brilhai, se acaso ouvirdes, emergentes da minha presença porvindouramente profunda, um vaporoso pânico, ferindo esferas, sob os plenilúnios apagados:
Ó luminosos, ó pequeninos, ó doação medrosa! Estou aqui, onde o corpo ficou noite e ficou ôco tudo o que foi bom. Me trouxeram, me deixaram, pois, silente, veio a barca. Esta é a margem que foge e me leva a voz ao lívido arfar da onda ínvia, livre, irredutível, a absorver searas foiçadas, seareiros quedos, retos de rastos, palmeiras ermas, cendradas messes.
Vagalumes, sou eu, fazei por perceber!
A face cansada do pensamento reclinou no roçagante regaço da sombra!
gelando em mim está agora o coração, que se encheu de sêde e de verdades! meus cabelos se esqueceram de medrar, já não me vê o Sol que acorda o pássaro plumifulviomaviosimacio!
Só o pó me pesquisa e me explica, os sinos que amei não me atingem, aí, tantos passos passeiam meus olhos e tudo o que ficou sem motivo e se calou...
Brilhai! Brilhai! Empós dos portais imperativos, que eu não seja só no jardim opressivo, onde se hospedam meus desbaratados pesares e minha ausência contida, inscrita em concha hermética, analgésica.
Brilhai! pernoitai à flôr do meu sono estrelado e da noite perfeita! Vinde em busca de minhas mansas mãos de sombra, desprendidas, despojadas, recrescendo além do tempo e em gestos de goivos!
Durmo sob o passadouro da ilusão, no jardim augusto, onde estou sem meu corpo, onde estou sem minha vida!
Será que sou?
Será que estou?
Brilhai! O nunca-mais seja em mim, pois deixei ao menos de prosseguir e ouvir coração. Ele nem sabe que está calado e lhe arrefeceram sêdes e náuseas cândidas, que arderam em minha bôca, enquanto houve luz no meu olhar e caiu em minha alma a fria chuva fevereira.
Brilhai! Brilhai, ó pequeninos! O olvido obumbra o jardim-glácido, onde se alojam olhos possuídos, encerrados! Como fogos-fátuos infestam esse império!
Como eu desci, desapareci para nunca mais em secreto cofre aberto e depois fechado!
Como eu não moro mais entre as coisas! Brilhai! brilhai aqui no reino-da-ex-realidade pois, ó, estou nêle, sim, etou até demais, fiquei tão chã e tão e tão terrestre, mas, gastei demais meus macerados pensamentos.

            O tom elegíaco desse fragmento configura-se como verdadeira joia de encanto declamatório. Sua força lírica nasce, sobretudo, da injunção enfática do sentimento, explicitado até a nudez. O tom emotivo desvela uma doce melancolia a infundir expressividade lírica aos signos. Temos, dessa forma, um narrador transmutado em eu lírico, numa proximidade aberta em relação ao sentir mais fecundo, advindo das escavações da alma mais secreta.
           
Mororó-mirim: o lugar-sim

            Diferentemente do não-lugar proposto por Marc Augé[4], Mororó-mirim constitui-se, com primazia, um lugar-sim, um lugar onde a vida das personagens ganha contundência, expressão existencial.
            Nome aliterante, de efusiva musicalidade, Mororó constitui-se a expressão metafórica da verdadeira pátria de Eugênia Sereno, o Vale Paraíba no estado de São Paulo. Com efeito, por Mororó, tal estado ganha vulto na literatura regionalista, fazendo frente a outros lugares importantes, principalmente a Minas Gerais de Rosa e de Drummond.
            A ficcionalização do lugar onde Eugênia passou sua infância e adolescência ganha status mítico, transformando-se, tal como o sertão roseano, em pátria soberana, universal, lugar que é, na verdade, todos os lugares. Isso acontece devido à força transformadora da linguagem lírica de Eugênia, capaz de transmutar o factual em símbolo, em metáfora viva.
            Dessa forma, ao concentrar o espaço no círculo mágico e agudo de tal burgo, a autora o transforma em uma imago mundi, para usarmos uma expressão cara a Mircea Eliade[5]. Com efeito, Eugênia, desde o princípio do romance, pelo seu cuidado artesanal, talha a cidade, diferindo-a do restante do universo, usando todo o cosmos circundante como moldura a acentuar a agudeza física e espiritual de tal região. Vejamos como a escritora paulista efetua essa rotura espacial:

Êste burgo modesto, musgoso e miúdo, tão miúdo que, para assim dizer, cabe todinho duma vez num ôlho só. Êste povoado florido, esquecido, ignorado e merencório, sem importância, sem rumor, sem projetos, nem vaidades... [...] Êste burgo deprimido, onde a coruja dá risada, o cipó dá flor e tudo pode acontecer, isto é Mororó. [...] Histórias houve e haverá sempre e de todos os tamanhos, em muitos mundos e entre os quatro pontos cardiais. Desde as neves do Kilimanjaro até a Terra do Fogo. Da Terra do Fogo às estepes da Mongólia, destas as areais da Ásia até aos mosteiros do Tibete, à serra de Canudos, etc, etc...

            Ao delinear os espaços longínquos, Mororó ganha relevo, geografia e, principalmente, acentua-se sua característica fundamental, característica essa que dá o tônus lírico e espiritual ao romance, ou seja, sua pequenez, sua residual proporção, onde prospera o mexerico, o vai e vem das informações, como um mote a percorrer toda a trama e a determinar suas diretrizes.
            O espaço circunscrito, metáfora do macrocosmos, acaba, por sua vez, determinado o tempo ficcional. Esse, por sua vez, perde seus limites, suas marcas, tornando-se impreciso. Uma espécie de agora eterno, instante epifânico, parece determinar a marcação temporal do romance. Não sabemos em qual dia, ano e, muitas vezes, a hora do fato. Tal efeito imprime grande verossimilhança à obra, pois essa temporalidade determina justamente a modorra, o tédio típico dos pequenos burgos.
            O tempo intemporal, mítico, é, por outro lado, pontuado pelos fenômenos da natureza, como se as personagens estivessem entregues às forças cegas do cosmos. Assim, sabemos que é noite, manhã, tarde, pela descrição do espaço bucólico da natureza a circundar a pequena cidade.
            Dessa forma, as personagens, como no teatro grego antigo, têm o seu destino marcado pela fatalidade de um tempo inexorável, trágico, simbolizado pela visita da coruja, o pássaro da escuridão anunciador da morte.
            Tal pássaro paira sobre suas vítimas, lembrando-as sempre da efemeridade de tudo o que existe. Daí o traço marcante, o pathos ontológico do romance: a melancolia. Tal sentimento transpassa todo o livro e imprime grande força existencial à trama. A consciência da finitude, do tempo imenso, descomunal a pairar sobre o burgo, abre fendas na alma de muitas personagens, tornando-as altamente sensíveis à condição humana.
           
Personagens vivas, plenas

            O pássaro da escuridão não possui protagonistas demarcados. Na verdade, a personagem principal é a própria Mororó. Tal efeito socializador acaba tornando cada personagem integrante de um sistema maior, esgarçando a unidade da trama em várias histórias que, como afluentes de um grande rio, acabam ramificando o romance em vários núcleos. Assim, muitos capítulos têm autonomia e poderiam se configurar como verdadeiros contos.
            O efeito de esgarçar o núcleo narrativo em várias tramas nasce, na verdade, da tradição oral. Eugênia torna-se, com habilidade, uma verdadeira contadora de “causos”. A contação de histórias é típica de um tempo arcaico, ligado às raízes de um Brasil provinciano, em que a experiência vivida é transmutada em narração, fonte de prazer e de ludismo. Tal forma astuta de encadear a trama em vários núcleos reafirma a verossimilhança da própria obra, pois se trata de uma trama transcorrida justamente em uma província, lugar onde contar “causos” é quase que consubstancial à vida das personagens.
            Eugênia, mais uma vez provando sua maestria, cria personagens de grande força expressiva, seres que parecem saltar aos nossos olhos como entes encarnados, plenamente vivos. Sua força descritiva, de grande plenitude lírica, talha figuras de compleição nítidas, às vezes de uma verossimilhança contundente. Vejamos, por exemplo, esse fragmento em que a negra Brejaúba é traçada com pinceladas expressionistas:

[...] Maria Brejaúba de Tal, brasileira, solteira, lendeosa, machona de corpo-fechado, que faz comida de muita sustança, chupando no pito-de-barro, cuspindo, contando rodela e se benzendo, a fim de conjurar urucubaca diária. Eis, pois, assoma muito súbita de lá do fundo da cozinha: enfarinhada, saudável, pèzuda, cadeiruda, muito atreita a defluxo e atacada de coceira, gorda de mais de seis meses, engulhosa e bem amojada na exibição das uberdades do útero. Beiçudíssima também a Brejaúba é, sendo que o beiço de baixo, dela, é bem mais grosso e inconveniente, falando bocagem feia, por causa de fumaça de tição, cascando cebola e chorando com seu cheiro...

            Pela descrição deformadora, hiperbólica, acessamos um hiper-realismo, de cunho expressionista, pelo qual observamos um ser excepcional, típico, temperado com as cores de Mororó.
            Por essa mesma e exímia capacidade de criar seres de imensa verossimilhança, Eugênia nos lega uma série de personagens cativantes, envolventes, com os quais o leitor cria fecunda empatia. São assim a Donana, a Rolinha, o seu Badaró, a Heliodora, além de seres fantásticos, como lobisomens e sacis.
            Tais seres são transfigurados pela linguagem poética, numa verdadeira consagração de uma abertura do ser para a linguagem, tal como pensada por Heidegger.
            Romance contundente, de húmus lírico e existencial fecundo, O pássaro da escuridão é escritura que se faz constante curto-circuito poético, numa avalanche de belíssimas e encantadoras invenções de poesia. 
           
Intermezzo
            Diante de uma obra tão complexa, esse pequeno prefácio poderia estender-se quase que em gerúndio infinito. Nosso intuito, aqui, é apenas abrir algumas sendas pelas quais estudiosos da literatura terão um grande trabalho pela frente. Desejamos, assim, vida longa a esse pássaro. Que ele possa ser descoberto tanto pelo leitor técnico das universidades, como também o leitor comum, adorador de textos belos. Enfim, deixemos, portanto, essa porta aberta. Por aqui, com toda a certeza, as aventuras estão sempre em estado de nacimento.

Alexandre Bonafim é poeta, ficcionista e crítico literário. Mestre em estudos literários pela UNESP de Araraquara, doutor em literatura portuguesa pela USP e professor de literaturas de língua portuguesa da UEG, unidade de Morrinhos



[1] Recentemente as escritoras Rita Elisa Sêda e Sônia Gabriel escreveram um estudo biobibliográfico sobre Eugênia, intitulado A menina dos vagalumes, pela editora Comdeus. Tal obra tornou-se, nos tempos atuais, uma importante referência e uma verdadeira homenagem à autora de O pássaro da escuridão.
[2] Diante de um padrão ortográfico tão peculiar, vimo-nos, nessa edição, diante da grande dificuldade de se atualizar a ortografia nos moldes do novo acordo. Como retirar um trema, se, por exemplo, uma palavra como “ingàzeira” recebe, de maneira totalmente inovadora, um acento atípico na segunda sílaba da palavra? Dessa maneira, o editor da Letra Selvagem, indo na contramão da obsessão de se instituir uma ortografia nova, tomou a sábia decisão de preservar o texto de Eugênia tal como ela, ainda em vida, moldou-o na sua última edição, a 3ª de 1973, pela José Olympio.
[3] CAMPOS, Augusto in HOPKINS, Gerard Manley. A beleza difícil. São Paulo: Perspectiva, 1997.
[4] AUGÉ, Marc. Não-lugares. Campinas: Papirus, 2004.
[5] ELIADE, Mirce. Mito e realidade. São Paulo: Perspectiva, 2002.


Estou sempre procurando o aprimoramento de minhas pesquisas, na verdade uma verdadeira pesquisadora nunca termina uma pontuação, digo que pontuação são os itens registrados durante a pesquisa. Dentro da temporalidade de O Pássaro da Escuridão pontuei: expressões culturais, termos caipiras, provérbios,  ditos populares, gírias, neologismos, costumes e termos mitológicos da época; anotados em cadernos brochuras (57) da primeira à ultima página, algumas raramente são usadas (somente no sul de Minas) outras estão até hoje na “boca do povo”.

Para essa colheita li e reli todas as cinco edições desse magnífico romance escrito por Eugênia Sereno, pois existem alterações de uma edição para outra. Conheço várias pessoas que não conseguiram terminar a leitura deste romance, outras tantas que nem começaram e, poucas, pouquíssimas que leram até o fim. Pesquisei todos os itens pontuados em meus cadernos. Para que o conhecimento seja partilhado estou dedicando um tempo a cada dia para digitar minhas anotações.

Como pesquisadora tenho um pé fincado na metodologia de trabalho e o outro eu deixo por conta do acaso. Tenho uma amiga que me diz que coincidências não existem, eu também acredito nisso e me deixo levar pelo entusiasmo da pesquisa. Isso quer dizer que me entrego de corpo e alma ao que faço. Foi assim em Raízes de Aninha, em A menina dos vagalumes e está sendo agora em nova pesquisa joseense.

Entregar de corpo e alma é dedicar-se 24 horas pelo projeto. Você pode perguntar: até dormindo? Sim... sonho com a pesquisa e ainda mais, foram nos sonhos que muitas coisas me foram reveladas.

Vale lembrar uma situação inusitada. Foi na busca do túmulo de Eugênia Sereno. Sônia Gabriel e eu fomos a São Paulo e vasculhamos alguns cemitérios, passamos o dia andando de cemitério em cemitério, fomos até mesmo ao serviço funerário municipal procurar nos arquivos, munidas de um antigo artigo que veio junto com o livro O Pássaro da Escuridão que Sônia comprou pela Internet, onde consta a informação de que Eugênia Sereno poucos dias antes de morrer entregou à editora as alterações para a quinta edição de O Pássaro da Escuridão, publicação datada em agosto de 1981. Era todo conhecimento que tínhamos a respeito da data de falecimento de Eugênia, que tinha o maior respaldo, pois era uma informação vinda do viúvo com Mário Graciotti  concedida ao jornalista Maurício Ielo.

Vasculhamos os arquivos funerários a partir do mês de agosto, sem nem mesmo conseguirmos uma luz. Já que falei em luz, devo dizer que sempre faço orações e peço celebração de missas pela alma da minha biografada, com Eugênia não foi diferente, dessa forma criei um vinculo forte com ela. Como dizia... fomos em vários cemitérios, até mesmo fiquei com bolhas nos calcanhares. Chegando ao ultimo deles, Sônia foi apertar a campainha, eu disse que não devíamos entrar ali, que provavelmente não era onde Eugênia estava, ela argumentou que só faltava aquele, eu insisti que não.  Lembro-me bem que, na época, escrevia  o capítulo  a respeito da morte em Eugênia Sereno, algo hermeticamente denso. 

Voltamos para São José dos Campos. Isso foi em uma quarta feira, na outra semana meu querido amigo César Bustamante, curador do Museu José Luiz Pasin, articulou-nos uma visita a FARO – Faculdade de Roseira - para pesquisarmos no acervo do Arquivo do Eco Museu da Fazenda Boa Vista, organizado pelo prof. José Luiz Pasin. Fomos até lá  e encontramos um artigo escrito pelo Pasin com a seguinte informação: Eugênia foi sepultada no Cemitério dos Protestantes, São Paulo. Nossa!... foi um choque para mim! Foi esse o cemitério que teimei em não entrar. Sônia me questionou, eu não tinha resposta, às vezes eu ajo por impulso e esse foi um deles, fiquei quieta, cabeça baixa, sem fala.  No acervo da faculdade colhemos muitas informações nas cartas de Eugênia para Pasin. Uma tarde memorável. A não ser pelo nó na garganta:  por que eu não quis entrar naquele cemitério?!

Bem, com o nome certo nas mãos, marcamos para na outra semana, quarta feira, novamente, irmos para São Paulo, ao cemitério. Foi gratificante. Com a ajuda do secretário do Cemitério dos Protestantes, Sr. Claudemir Aparecido Soares, encontramos os livros onde estão lavrados os sepultamentos procurados. O primeiro documento que encontramos foi o da mãe de Eugênia: Ottília Pereira de Rezende, logo depois encontramos o do pai: Luiz Gonzaga de Rezende; encontramos o da Benedicta Rezende Graciotti (Eugênia Sereno) e, também, do Mário Graciotti.

Mas, a surpresa maior ficou por conta de Eugênia, que veio em pequena luz vagaluminosa requerendo atenção. A morte dela foi no dia três de maio de 1981, impossível ela ter entregue a última revisão de O Pássaro da Escuridão para a editora em agosto, só se ela estivesse voltado dos mortos (como deixa por escrito no livro... será?) e, ainda mais, a resposta para eu não querer entrar no cemitério semanas antes, pois o dia certo para estarmos no cemitério era aquele ali - duas semanas depois deu empacar na porta do cemitério; porque nossa volta ao cemitério foi exatamente no dia de aniversário de morte de Eugênia, com uma ressalva: dela e do pai dela – segundo Eugênia: uma das pessoas que ela mais amou na vida.

Foi então que, mais uma vez entendi que, devemos, em uma pesquisa, levar em conta algumas sensações que mesmo parecendo incômodas ou, até mesmo, fora do controle, são necessárias, desde que você esteja inter/agindo com o núcleo ideativo do que procura. 

Foi assim que, no dia do aniversário de morte de Eugênia Sereno, Sônia e eu prestamos homenagem a essa maravilhosa escritora, com muita atenção e respeito, diante do túmulo. Pelo que o secretário do cemitério disse jamais apareceu alguém ali depois da morte de Mário Graciotti, tanto que há uma plaquinha avisando que o túmulo pode ser desativado por falta de pagamento de manutenção... uma pena!... (quem puder ir ao cemitério e fazer uma homenagem à escritora Eugênia Sereno verá que a paz reina diante daquele túmulo – tem um banco em frente. Sugiro que leve O Pássaro da Escuridão e leia pelo menos um capítulo diante dos mortos da família Rezende/Graciotti).

 Não tive dúvidas que deveria continuar orando por Eugênia, como faço até hoje. Diante do túmulo dela, ali, naquele cemitério tive a certeza de que diante de uma pesquisa devo continuar com meu jeito simples de agir, às vezes, não pensar duas vezes, acreditar no impossível e trabalhar com amor e carinho pela memória do biografado.

Não voltei ao Cemitério dos Protestantes. Pretendo ir lá ainda este ano,  levar uma coruja de resina e colocar em cima da humilde lápide onde estão os restos mortais dessa magnífica escritora.

Essa é apenas um episódio do bastidor de uma pesquisadora. Tenho muito mais registrado em caderno diário. Vou publicando aos poucos.

Agora, voltando à vaca fria, resolvi partilhar minhas anotações com os amantes da cultura nacional. Primeiramente vou colocando aqui, no blogue Palavras de Seda, as:  frases populares, dialetos caipiras, figuras de linguagem e gírias. Expressões populares que marcaram época e, algumas, ainda são usadas no Sul de Minas e Vale do Paraíba, porque Eugênia deixou registrada que a protagonista de sua história é a cidade de São Bento do Sapucaí – Mororó Mirim.

Pontuei milhares, começo com as primeiras trezentas... sei lá!.. só sei que preciso de ajuda para decodificar algumas que não aparecem nos livros e nem mesmo conversando com os moradores mais antigos das regiões do Vale do Sapucaí/Mantiqueira eu fiquei a par – deixei essas sem respostas. Se você souber fique à vontade e deixe as informações que logo-logo a colocarei no devido lugar para que todos saibam. Veja que têm algumas bem simples e outras extremamente complexas.  Tenho a certeza de que unidos podemos desvendar essas misteriosas expressões eugenianas. Nasci na mesma região onde foi berço de Eugênia: o Vale do Sapucaí, por isso algumas dessas expressões sempre me remetem à infância.

Para pesquisar a respeito dessas expressões culturais usei os livros dos folcloristas, etimólogos e pesquisadores nacionais como: Amadeu Amaral; Tomé Cabral; Luis da Câmara Cascudo; Carlos Francisco de Freitas; Euclides Carneiro da Silva; Marcos Cláudio Acquaviva; Deonísio da Silva; Reinaldo Pimenta; Valdomiro Silveira; R. Magalhães Júnior; João Ribeiro; etc. Também pesquisei na Internet em diversos sites.

Como a própria Eugênia definiu em seu livro: 'isso eu digo para lembrar uma expressão muito antiquada ' (p.224, PE-5).  Não é fácil saber a origem destas frases. Vamos que vamos. Conto com a ajuda de você, leitor, entendido, culto, atento às conversas, para aprimorar algumas decodificações de frases.

Fique à vontade, afinal, uma andorinha sozinha não faz verão, juntos conseguiremos criar um Dicionário Eugeniano de Expressões Populares.  São mais de 3000 termos que pontuei, os quais eu irei colocando aos punhados aqui no blogue. 

Veja que existem termos que Eugênia transformou em trava língua, outros na própria frase ela coloca a definição da expressão, em algumas ela repete na mesma página, outras em páginas diferentes registra o mesmo significado para frases diferentes.

Pensei em levar uma proposta de livro para uma ótima editora, mas acredito que disponibilizando aqui, pelo blogue, as pessoas interessadas terão acesso às informações sem custo. Afinal, a verdadeira cultura é compartilhar informações sem a intenção de remuneração monetária.

Conte comigo e... eu conto com você!... afinal – uma mão lava a outra!

Rita Elisa Seda 
 

Páginas  337 a 342 (O Pássaro da Escuridão)


-um foguinho de cachaça – bêbado de tanto tomar aguardente.

- quentar seu tragadeiro – tomar alguma bebida com teor alcoólico.

- matar o tempo – fazer alguma coisa só por fazer, para que o tempo passe.

– sou bobo não – sou esperto.  Bobo = com falta de sabedoria ou falta de bom senso, pessoa tola. 

- não careço de seu bafo – não preciso conversar com você.

- tenho uma gana – uma vontade muito grande.

- como o gato de topar o rato – satisfeito; pronto para devorar o que tem na frente.

- vive cirandando o mundo – não tem parada.

- prestar conta de tudo – contar toda a história; explicar tudo o que aconteceu; ser responsável pelo que aconteceu.

- história para boi dormir –  “conversa mole para boi dormir”  quer dizer assunto sem importância. Esta frase nasceu quando o boi era tão importante que dele só não aproveitava o berro. Tratado quase como pessoa, com ele os pecuaristas conversavam, não, porém, para fazê-lo dormir. Nas touradas, quando o boi ainda é touro, até a sua fúria compõe o espetáculo. Na copa de 1950, o Brasil venceu Espanha por 6 a 1 e quase 200 mil  pessoas cantaram touradas em Madrid, de Carlos Alberto Ferreira Braga, o Braguinha, que termina com este verso: "Queria que eu tocasse  castanholas e pegasse um touro a unha/caramba, caracoles/não me  amoles/pro Brasil eu vou fugir/ isso é conversa mole/ para boi dormir".

- entra por aqui, sai por ali – não me interessa de ficar com isso; não guardo isso; nem quero saber.

- pensa lá com seus botões – seus botões é aquilo que  fica só no pensamento, que ainda não desabrochou em conversa;  coisas só suas sem ser colocada para outros.

- desta moita não sai coelho – com essa conversa não vou ficar sabendo o que desejo; o que estou procurando aqui não acho. Ficar esperando por um resultado e depois de certo tempo ver que não vai dar resultado esperado.

 - o home tá de vela – “estar de vela” ou “estar segurando vela”  é fazer companhia para casal de namorados, ou a mando de alguém e, às vezes, sem razão aparente, apenas  porque “pensa” que está fazendo companhia.

- forjou vingança bem cuidada – arrumou uma maneira de descontar o que lhe foi feito sem ter como errar.

- nada de tutuviar – chega de dizer que não; basta de arranjar desculpas.

- botar na eternidade – matar; mandar para onde a alma fica pela eternidade.

- com o credo na boca – orando o Creio em Deus Pai – “Credo” era a oração mais usada antigamente, para espantar qualquer tipo de mal.

- fibrilar no cafundó do coração – dor no fundo do peito; com o coração apertado.

- ir andando de afasto – andar para trás era algo ruim, tanto que para as crianças ficarem com medo e não fazerem esse tipo de atitude, era dito a elas que “quem anda de fasto quer que a mãe morra”, dessa forma ficava incutida nelas que não podiam andar para trás.

- já penei por demais – já sofri muito.

- abusou de minha fieza – abusou da minha bondade; coloquei fé em você e isso deu em nada; fui honesto com você e você me foi trapaceiro.

- boca estralante de pragas – rogando maldições em alguém.

- como passarinho de galho em galho – sem paradeiro, pulando de um lugar para o outro.
 Brito Broca em suas memórias comenta: “Fulano vivia constantemente atrapalhado, sem conseguir meios de se dar bem na vida, ora num lugar, ora noutro. Coitado vive de déu em déu...” ; é o mesmo de viver de galho em galho.

- abre o bué – abrir o bué é contar a verdade; diferente de abrir o buá que é chorar.

- de parola estou cheio – estou cansado de muita conversa fiada.

- não bacorejava – não tinha idéia; não pensava nisso; não tinha palpite disso.

- vivia piaçando – procurando; querendo muito; procurando ter.

- me dê conta – me preste conta; me diga a verdade.

- na tripa da sororoca – usado como isca, comida de peixe, morto. Sororoca = peixe.

- pura escapatória –  arrumando um jeito para fugir; habilidade de se esquivar.

- alma do diabo – quem é muito ruim; pessoa que não tem bondade; quem vendeu sua alma para o diabo.

- larga de bocagem ruim – pare de falar coisas feias.

- isso aqui mais é treta – treta tem vários significados: conversa fiada;  mentira; armação;  armadilha; 
malandragem; falsidade. É o diminutivo para a palavra “mutreta”.

- rir às nossas custas – tirar um sarro; se divertir com os acontecimentos dos outros.

- vamos servir de pasto – mesmo que “vamos ser o prato do dia”; ser alvo de falatório
.
- não pega a lábia – não cai na conversa; pegar a lábia é ir na conversa mole do outro.

- engolindo o agravo – se desculpando.

- um olho no homem, outro na porta – procurando a oportunidade para fugir.

- está fora dos eixos – está desgovernado – sem equilíbrio.

- é todo tempestade – está muito bravio.

- relâmpago no olho – soltando faísca pelos olhos; querendo matar só pelo olhar; com muita raiva.

- trovões no céu-da-boca – fazendo xingamentos em alto tom.

- corcovos de potranco esporeado – pinotes; saltos.

dar nos calcanhares – correr de medo.

- espingardear pela retaguarda – matar pelas costas.

- eterno lamento – queixas intermináveis; cheio de lamúrias.

- prenúncio de defunção – aviso de morte.

- salto de gato escaldado – “gato escaldado tem medo de água fria” – quem, uma vez,  já passou por algo até mesmo só parecido, pula fora para não acontecer de novo; quem já sofreu algo semelhante faz de tudo para não sofrer novamente.

- apenasmente azular – sumir no mundo; correr e desaparecer da vista.

- pras almas penadas – para as almas que estão pagando pena no purgatório.

- cair no mundo aberto sem fronteira – sair sem rumo; outra maneira é “cair no mundo aberto sem porteira”, pois todo lugar é acessível para quem não tem paradeiro.

este mundo é um chão parado – não sai do lugar; usado por pessoa que não viaja.

sem parar de chispar – sem parar de correr; desembestado; sair em disparada.

ganhando o mundo – viajando sem rumo querendo conhecer todos os lugares; sem destino.

subir de gatas o morro do cruzeiro – pagar promessa a Deus.

um santo remédio – remédio que cura todo tipo de mal.

- fazer de burro para poder comer capim – mostrar o que não é para se dar bem na vida.

- quebrando galhos - fazendo serviços pequenos; resolvendo dificuldades; obtendo favores em serviços governamentais através de influências pessoais ou mesmo a poder de dinheiro.

- mais infeliz que garnisé espenicado – triste; garnisé “espenicado” é como a ave fica depois de uma briga de galos, todo machucado, faltando penas e com a crista sangrando.

- mais morto que minhoca sepultada em bucho de bicho-bagre – mortinho; minhoca é o melhor engodo para pegar o peixe bagre.

botar a alma pela boca - chega botando a alma pela boca quem chega esbaforido, depois de grande correria ou de enorme esforço físico.
Dizem também das pessoas que foram espancadas e ficam em estado lastimável.  D. Francisco Manuel de Melo,  na “Feira de Anexins”, emprega essa locução em sentido ameaçador: “ se eu o colho... hei de fazer deitar a alma pela boca”.

- cabeluda aventura – uma coisa é dita de “cabeluda” para definir que é “bem grande”, pois os cabelos crescem rapidamente.

- tom enfermo de icterícia e molificante – de cor amarela e sem ânimo.  

- a alma remoinhosa do vento cimério– o barulho do vento que sopra em todas as direções.

- assobia na orelha da onça – pessoa corajosa; que não tem medo de nada.

- deita assombração em rede de embira – rede de embira é feita de corda trançada de cipó, antigamente os defuntos eram transportados  em rede de embira até o local onde iriam ser velados.

-  o esgargalhar do pássaro agoureiro – o  pio de um pássaro que traz o azar.

- para descer todo santo ajuda - as decidas são sempre mais fáceis que as subidas. Até a descida para o inferno é mais fácil, foi o que sentenciou Virgílio na “Eneida”:  “Facilis descensus Averno”. 


Página 11 (O Pássaro da Escuridão)

cafundó do Judas – lugar longe demais – esta expressão tem a ver com  “onde Judas perdeu as botas” – o apóstolo Judas Iscariotes (de Cariote, aldeia de Judá), traiu Jesus por trinta moedas de ouro. 
Atormentado pelo remorso, suicidou-se. Certamente ele não usava botas, porque  elas só apareceram na Idade Média, símbolo dos viajantes, dos romeiros e dos andarilhos. 
Mas, nas pinturas, Judas é retratado usando botas, porque, ao suicidar-se ficou condenado a uma jornada eterna, sem destino. Dessa maneira: onde Judas perdeu as botas seria um lugar distante e indefinido, nos confins do mundo!

mostrar com quanto pau faz uã cangalha –  o mesmo que “com quantos paus se faz uma canoa”. Basta um só, desde que seja um grande tronco de árvore. Assim se faz a chamada piroga, utilizada no continente americano muito antes da chegada de Colombo. 
A tradicional técnica indígena consiste em escavar o tronco - geralmente utilizando fogo - até seu interior comportar uma ou mais pessoas. Outro modelo primitivo, o caiaque dos esquimós, nem madeira usa: apenas ossos de baleia, formando uma estrutura coberta com pele de foca.
Já, as canoas modernas são feitas com dezenas de tábuas de tamanhos diferentes. Mas, se a origem dessa embarcação se perde na história, a expressão que costuma ser dita em tom de ameaça - "Vou te mostrar com quantos paus se faz uma canoa!" - é relativamente recente. 
"Acredita-se que a frase original, utilizada em áreas rurais do Brasil, falava em cangalha, em vez de canoa", afirma o etimologista Deonísio da Silva, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). A cangalha é um triângulo de madeira que é colocado no pescoço de alguns animais para que não atravessem cercas nem destruam plantações. 
" Em regiões ribeirinhas ou à beira-mar, essa peça pode ter sido substituídas por pequenas canoas, o que explica a origem da expressão", diz Deonísio.

estúpida como uma anta – idiota – anta é um animal que quando corre de medo não vê para onde vai e pode até mesmo cair no rio, no despenhadeiro ou atoleiro; não pensa para agir. De hábitos noturnos, esconde-se de dia na mata, saindo à noite para pastar, tem hábitos solitários. 
O casal é encontrado junto apenas durante o acasalamento e a amamentação. A fêmea tem geralmente apenas um filhote, e o casal se separa logo após o acasalamento.
Quando ameaçada, a anta mergulha na água ou se esconde na mata. Ao galopar, derruba pequenas árvores, fazendo muito barulho. Emite som de guincho estridente que indica medo ou dor, bufa mostrando agressão e produz estalidos.

santo luxento –  santo que tem cerimônia, cheio de melindres ou exigências. Geralmente essa frase é para santo que não atendeu pedido de seu devoto logo da primeira vez e o devoto teve novamente de fazer outra penitência ou promessa.

deita sentido no que digo – presta atenção no que eu digo.




Páginas 162 a 172  (O Pássaro da Escuridão)

 - raios me rachem - o mesmo que "raios que me partem" ou "raios te partam", estamos em presença daquilo a que se costuma chamar de frase feita. 
É quase certo que a origem é a seguinte: este raio e aquele meteoro em forma de raio que, nas tempestades cai em uma árvore e a parte em duas.  Dizer para uma pessoa: "raios te partem" é desejar mal a alguém ou se fala como se desejasse. 

tempo do onça – antigamente – o velho militar Luís Vahia Monteiro, no dia sete de maio de 1725, assumiu o cargo de Governador e Capitão-Geral da Capitania do Rio de Janeiro. Era autoritário, honesto e ranzinza. Em cartas para o rei D. João VI, o Governador  reclamava de todos: políticos, padres e até mesmo das freiras, ninguém conseguia ficar imune ao mau humor dele. Padecia de gota o que o ajudava a ser a cada dia mais ranzinza. 
Em uma das cartas disse:  nesta terra todos roubam, só eu não roubo. Por causa de seu temperamento ruim ganhou a alcunha popular de Onça.
Em 1732, agosto, o rei de Portugal ficou a par de que  Luís Monteiro ficou demente, sendo devidamente substituído do cargo, morrendo seis anos após. O maior legado que deixou foi a expressão do tempo do onça, designando algo daquele tempo antigo.

 - não arreda o pé – não sai – não se afasta, não desvia, não se distancia. guardar segredo - Magalhães Júnior 


 fechar-se em copas guardar segredo - Magalhães Jr. garante que a expressão teve origem no voltarete, que foi um jogo de cartas muito popular no século passado.
O fato de copas estar no plural é um ponto importante a favor da hipótese de se referir a algum tipo de jogo de cartas. Só não sabemos se seria seguro afirmar é o tipo de jogo de cartas que lhe deu origem. 
Existe também a variante fazer-se em copas, com o mesmo significado de guardar um segredo. A origem é a mesma, ou seja, um jogo de cartas em que os naipes de copa são muito importantes para o resultado final do jogo.

não dá mais um pio – ficar calado - não tugir nem mugir. Expressão  que se usa para impor  silêncio.

emperramento do espírito –  azarada –  diz-se quando foi feito macumba para a pessoa, ela fica com o espírito preso, travado, sem movimento.

saparia arretirou a viola do saco – fazendo barulho –  arretirou = retirou – com destaque a história do sapo que foi para a festa no céu de carona na viola do urubu.

-tricô de mexerico – fofoca – tricotar a vida alheia -  tricotar é fazer ponto por ponto manualmente, devagar; tricotar a vida alheia é contar coisa por coisa, sem pressa.

pataca escondida no chão – guardando segredo – pataca era dinheiro equivalente a 40 réis, no tempo do vintém e do réis (MG).

borralhos de estralar milho pururuca – tem alguma verdade escondida nessa história – quando ainda existe brasa no borralho joga-se milho para pururucar – pururucar = deixar  quebradiço (couro torrado, torresmo seco, milho, etc.). 
É muito aparentado com. piririca, mas cumpre distinguir: piririca se refere de preferência às superfícies com aparência de lixa; pururuca, as coisas de comer, leves, secas e quebradiças, como o couro torrado, que estala nos dentes, pipoca. 
Aqui há, provavelmente, mera extensão do sentido primitivo. que se referiria de certo ao aspecto que tem o couro torrado e outras coisas de superfície áspera (Tupi).

etceteras adjacentes – e muita coisa a mais.

uma tuta e meia –   tuta e meia = tuta-méia - pequeno valor, quantia insignificante; "Não faça quistã por essa tuta-méia".  
Derivado, segundo J. Moreira ("Estudos", 1.º vol.) de "uma pequena moeda de cobre da África Port.". Convém notar, porém, que Moreira e com ele o "Novo Dic." escrevem tuta e meia, ao passo que a forma corrente em S. P. e como vai indicada, - sem entre os dois elementos e com é aberto em meia.


Páginas 172 a 187   (O Pássaro da Escuridão)

tem os ff e rr de rameira refinada –   “com todos os ff e rr” segundo João Ribeiro, significa exprimir-se de modo pedante com ostentação vã e descabida, como gente presumida e douta.  Mostra o autor de “Frases Feitas” que , outrora, havia quem escrevesse com letras muito floreadas, dobrando sem necessidade aquelas consoantes. Assim escreviam: rrazãorraposaaffecto, etc. O sentido atual da locução é: deixar tudo miudamente explicado, sem faltar um pormenor.

Prostituta de alta classe – rameira =  pendurar ramos de árvore do lado de fora de uma taberna portuguesa era a maneira de identificar que ali havia mulheres prestadoras de serviços sexuais, isso no século XV. Era um signo entre os taberneiros e fregueses. Ramo (árvore) eira (atividade). (Portugal)

negar com os pés juntos – A expressão surgiu através das torturas executadas pela Santa Inquisição. Até hoje, o termo é empregado para expressar a veracidade de algo que uma pessoa diz.Para saber de onde vem esse tipo de juramento, devemos nos reportar aos tempos medievais, mais especificamente no período da Inquisição.  Durante a Baixa Idade Média, observamos que o desenvolvimento das heresias se constituía como uma séria ameaça à hegemonia dos dogmas pregados pela Igreja Católica. 
No século XIII, foi criado o Tribunal do Santo Ofício, fundado para punir os crimes contra a fé católica.Quando acusada de um crime religioso, a pessoa investigada passava pela prisão e tinha a sua casa toda revistada. Nesse tempo de reclusão, os membros da Igreja abriam espaço para que o investigado realizasse a confissão de seus mais graves pecados. Caso isso não acontecesse, os clérigos utilizavam de métodos de tortura que deveriam forçar o pobre cristão a admitir suas falhas. Foi daí que surgiu a expressão “jurar de pés juntos”.
Com o passar do tempo, a tortura inquisitória acabou se transformando em expressão popular na Península Ibérica, coincidentemente, uma das regiões mais atingidas pela Inquisição Católica. 
Em terras portuguesas, além do uso aqui exposto, os portugueses também empregam o seu antônimo dizendo “negar de pés juntos”. 
Já entre os vizinhos espanhóis presenciamos a variação “crer com os pés juntos”, que significa acreditar incondicionalmente em algo.Entre as várias torturas empregadas, os suspeitos tinham, muitas vezes, os pés e as mãos amarrados ou terrivelmente pregados em postes de madeira.
 Em muitas situações, o inconfesso era colocado de ponta cabeça, o que só aumentava o seu desconforto. Logo, não suportando as dores daquele tipo de agressão, acabavam confessando qualquer tipo de crime religioso. 
Eles literalmente acabavam “jurando de pés juntos” a prática dos delitos que os levaram àquele tormento.
Com o passar do tempo, a tortura inquisitória acabou se transformando em expressão popular na Península Ibérica, coincidentemente, uma das regiões mais atingidas pela Inquisição Católica. 
Em terras portuguesas, além do uso aqui exposto, os portugueses também empregam o seu antônimo dizendo “negar de pés juntos”. Já entre os vizinhos espanhóis presenciamos a variação “crer com os pés juntos”, que significa acreditar incondicionalmente em algo.    

sem mais delongas – sem demora. Sem mais enrolação. Por exemplo, você está explicando uma coisa, ou contando um fato, e quer ir direto ao importante sem dizer detalhes, você pode usar a expressão "sem mais delongas"

- faz das tripas o coração –  não se sabe ao certo quando surgiu a frase "fazer das tripas o coração", usada quando alguém consegue resistir a uma adversidade mais do que se supunha possível. Mas é fácil entender o que a expressão significa.
É claro que as tripas, ou intestinos, são muito importantes para qualquer organismo. Mas nada se compara ao coração, órgão responsável pela circulação do sangue, que transporta oxigênio e nutrientes para as células.
Assim, "fazer das tripas coração" é realizar um esforço sobre-humano, comparável ao de pegar as tripas, com suas funções bem mais limitadas, e conseguir que elas assumam a importância que tem o coração.

trancara a porta a sete chaves – seguro, protegido – no século XIII, os portugueses guardavam documentos, jóias e metais preciosos em baús de madeira que tinham quatro fechaduras, quatro funcionários de confiança eram guardiões das chaves, dessa forma o baú só podia ser aberto com a presença das quatro pessoas – na realeza, uma das chaves era do Rei. No dito popular trocaram o numero quatro pelo sete, por ele ser místico (Portugal).

pondo a carapuça – Carapuça = uma espécie de barrete ou capuz de forma cônica e remonta ao período da Inquisição, em que os condenados eram obrigados a vestir trajes ridículos ao comparecer aos julgamentos.
Além de usar uma túnica com o formato de um poncho, eles precisavam colocar sobre a cabeça um chapéu longo e ponteagudo, conhecido como carapuça. Daí a expressão "vestir a carapuça" ter se incorporado ao português escrito e falado com o sentido de "assumir a culpa".
A palavra vem do italiano antigo, carapazza, e do espanhol caperuza. Atualmente, a carapuça é utilizada em aves de rapina, na prática da falcoaria (Europa).


foice que fere na hora marcada – morte - a imagem da morte, desde a antiguidade, é de uma pessoa encapuzada com uma foice na mão. Hora marcada porque as parcas (mitologia grega) marcavam a hora da pessoa morrer tendo em suas mãos o fio da vida de cada um, assim ao cortar o fio a morte vinha ceifar o ser humano.

mais vale um gosto que quatro vinténs – há variações = “mais vale um gosto do que dinheiro no bolso”, ou “do que um carroção de abóboras”... O conceito é sempre o mesmo – há coisas com as quais não se deve economizar.

sem nome sem endereço, sem ponto nem vírgula – sem nome = sem orgulho, sem família (antigamente o nome completo – com sobrenome – valia mais que o dinheiro); sem endereço = sem morada, sem lugar para ser encontrado; sem ponto nem vírgula = sem estudos.
Pessoa assim é identificada por suas aventuras, naturalmente é discriminado e tido por suspeito, já que lhe faltam os valores básicos: o amor e a gratidão à família e uma história que comprove os seus costumes e habilidades.



Páginas 205 a 220  (O Pássaro da Escuridão)

fogo de palha – ímpeto aparentemente duradouro, mas efêmero, passageiro e fugaz.  É um fogo que dura pouco. Em sentido figurativo refere-se àquela situação em que estamos ansiosos por fazer algo e, na hora "H", não damos conta do recado...
Experimente fazer um montículo com palha e atice-lhe fogo; vai reparar que, ou queima tudo num instante, ou queima um pouco sem propagação. Aqui tudo depende do tipo da palha.

vale de lágrimas – lamentação -

Salve, Rainha, mãe de misericórdia,
vida, doçura, esperança nossa, salve!
A vós bradamos os degredados filhos de Eva.
A vós suspiramos, gemendo e chorando
neste vale de lágrimas.

A "Salve Rainha" é uma das orações mais populares entre os católicos. Quem compôs esta prece estava vivamente marcado por misérias, na oração os fiéis "bradam" como "degredados", "suspiramos gemendo e chorando", vemos o mundo como "um vale de lágrimas", como um "desterro". 
Com efeito, se ao considerar a condição humana, o autor da prece só vê motivos de tristeza, ao fixar sua atenção em Maria, mostra-se animado por um horizonte de expectativas reconfortantes e consoladoras, pois ela, é a "Mãe de Misericórdia", "Vida, doçura, esperança", "Advogada" de "olhos Misericordiosos".
A autoria da oração é atribuída ao monge Hermano Contracto que a teria escrito por volta de 1050, no mosteiro de Reichenan, na Alemanha Naquela época a Europa Central passava por calamidades naturais, epidemias, miséria, fome e a ameaça contínua dos povos nómadas do Leste que invadissem os povoados, saqueando-os e matando.
Frei Contracto nascera raquítico e disforme, na idade adulta, andava e escrevia com dificuldade. Foi nesta situação que Frei Contracto cria esta prece, mesclando sofrimento e esperança, que é a "Salve Rainha". Segunda da crença, quando nasceu Frei Contracto e constatarem o raquitismo e má formação do bebê, sua mãe Miltreed, consagrou-o no leito à Maria, sendo educado na devoção a ela. 
E, anos mais tarde, foi levado de liteira, por ser deficiente físico, até o mosteiro de Reichenan, onde com o tempo chegou a ser mestre dos noviços. Quando veio a ser conhecida pelos fiéis, a "Salve Rainha" teve um sucesso enorme, e logo era rezada e cantada em muitos locais. 
Atualmente uma multidão incontável de fiéis tem se identificado como os sentimentos que ela expressa, vivendo desde sua aflição à esperança e fé em Maria.

por este céu que nos cobre – juramento que se faz para dar veracidade ao que falou.

casou na polícia – foi obrigado a se casar.

-  vive na terra a esperar o céu –  ter esperança de que tudo vai melhorar; ser sonhador.

lua nova trovejada , trinta dias é molhada – quando troveja no primeiro dia de lua nova chove o mês inteiro. 'Lua nova trovejada, trinta dias é molhada, e se for a de Setembro, até Março irá chovendo'.


Os navegadores portugueses eram experientes em metereologia, usavam de provérbios para mostrar a eficácia de seus conhecimentos, dessa forma era mais fácil de ensinar os grumetes. (Portugal)

sem dizer ai-jesus! – sem se lamentar.

senão, adeus viola! – diz-se quando algo está irremediavelmente perdido; expressão
que dá a idéia de que está tudo acabado  ou que não tem mais jeito .
Nos finais do século XIX as festas do Império da Caridade das Figueiras do Paím da Praia da Vitória, que se realizavam, tal como hoje, no último domingo do mês de Setembro, terminavam invariavelmente com uma “tourada” à corda. Em determinado ano entenderam os mordomos substituir esta tradição por uma corrida de praça. Para tal o Largo das Figueiras do Paím foi transformado numa arena delimitada por palanques e camarotes que se encheram com pessoas da Vila e de fora dela.
O Francisco Ceguinho também não quis faltar à festa. Dentro do recinto, antes e no intervalo dos toiros, sempre guiado por um rapaz, parava o Cego em frente dos palanques cantando às pessoas de maior estatuto, começando sempre com a mesma cantiga, mudando apenas o terceiro verso onde cabia o nome do visado:

Fé, esperança e caridade
São três armas da virtude;
Senhor…fulano de tal
Lá vai à vossa saúde.
Entre cada quadra advertia o Cego o seu guia para que este tivesse atenção à saída do touro.
Em determinada altura sai-se com esta:
Ò rapaz, toma cautela,
Repara bem p’rá gaiola;
Se eles soltam o bicho,
Adeus cego, adeus viola.

Isto dito rebenta um foguete e, ao mesmo instante, sai para a arena um valente touro puro que não vê mais ninguém a sua frente do que o nosso indefeso cantador. Resultado: cego de um lado, viola para o outro feita em mil pedaços. Até parece que estava a adivinhar!
(Portugal)

entregou a alma pra Nossinhor – morreu – entregar a alma para Nosso Senhor.

catinga de gambá de bananeira – fedido – catinga = mau cheiro de gente, de animais, de roupa suja, etc.

dá um nó na goela –  medo ou dificuldade de responder  - goela = garganta - emoção que impede a fala. 

um forte acocho no coração – preocupação- acochar = torcer como corda; apertar; arrochar. Dor no peito. 


- sempre essa inhaca - inhaca = mau cheiro, catinga, bodum, morrinha. 2) doença, queixume. 3) azar;macumba. 

fofo que nem pão de ló – gordo – pão de ló é uma massa de bolo que cresce bastante e fica fofinha por causa da quantidade de ovos que é usada em sua confecção.


Páginas 221 a 230 ( O Pássaro da Escuridão)

da banda de fora – aparecendo – da banda = do lado.

-ergue as mãos para o céu – agradece a Deu; pede a Deus.

escuridão é véspera de aurora – depois da tristeza vem alegria – expressões tiradas do livro de Tobias ( Bíblia) “ depois da tribulação haverá a libertação (...) após a tempestade vem a bonança, depois das lágrimas e gemidos vem a alegria”.

tatu não esquece buraco velho –  homem pode largar sua antiga mulher mas sempre tem vontade de voltar para ela.

quer aqui, quer acolá – em qualquer lugar.

o choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã – depois da tristeza sempre vem alegria.

falta de tino –  sem senso; contra-senso, disparate, devaneio: só diz desatinos. Desatino =  alienação, alucinação, delírio, demência, insânia e loucura.

na batata – confirmação, certeiro – houve um tempo em que a Inglaterra exportava a batata para o Brasil, por isso batata-inglesa, só os mais abastados tinham batata em casa, escondidas nas despensas, encontradas diziam “na batata”.

com voz de araponga – estridente – araponga =  conhecida em todo o Brasil pelo seu grito alto e estridente. Em outras regiões do país, ela é conhecida por guiraponga, ferreiro ou ferrador, sendo que esses dois últimos nomes vêm do seu grito, que imita com perfeição o trabalho de um ferreiro, primeiramente com uma lima e a seguir com a batida estridente de um martelo sobre a bigorna. O nome araponga é indígena e vem de ara (ave) e ponga (soar).

ficar de beiço caído – abobado - perdidamente apaixonado.

ventos na cabeça – maluco -  sem miolo, cabeça oca.

que pinta o 7 – brincar, zoar, bagunçar, vadiar, tumultuar, festejar, fazer de tudo o que lhe der na telha e com toda a liberdade que tem no espírito. 
Sua origem é bastante discutida, a mais aceita é a de que no século XIX foi utilizada para elogiar um pintor por sua obra de arte. O número sete referia-se aos dias da semana em que ele pintava, mostrando assim que trabalhou a semana toda sem descanso. 
Com o passar do tempo a palavra Arte também serviu para significar Bagunça. As crianças que brincavam demais eram chamadas de arteiras, que pintavam o sete em suas extravagâncias e aventuras diárias.

não se sabe por que cargas d’água – sem explicação – as chuvas torrenciais sempre serviram de desculpa para se faltar a um compromisso ou descumprir uma obrigação. Era sempre uma desculpa.

sem guardar decoro nas falas – mal-educado – sem educação.

sem temer a Deus nem ao diabo – sem medo de nada.

igual quem pega raiva de boi pelos chifres - enfrentar um dificuldade com maestria, resolver uma questão, sem tantos rodeios ou dificuldades.

tá no mato sem cachorro – perdido; metido em grande enrascada -  o cachorro acompanha o dono dentro da mata e dá alarde de tudo que encontra, protegendo o dono. 
O cachorro é o melhor amigo do homem, até mesmo depois da morte. O cão é o símbolo da fidelidade e da vigilância, até mesmo gravado nos túmulos primitivos, esculpidos nas sepulturas dos reis e rainhas, como uma presença prestigiosa de quem os acompanha além da vida. 
Na cidade de Goiás há várias estátuas de cães junto ao tumulo de seus donos. Os esquimós matam um cão e colocam a cabeça dele no tumulo de uma criança para que o espírito do cachorro, jamais engana o caminho por causa do hábito da caça, pode conduzir a criança pela estrada certa do país dos mortos. 
Os índios tupis davam mais importância ao seu cachorro que a própria mulher, pois era o cachorro quem ia à frente, entrando na selva para caçar e, assim, garantir a refeição da família. Por esse motivo, depois do índio, era o cachorro quem recebia comida, depois, sim, a mulher e os filhos podiam se servir.
Deixar (alguém) no mato sem cachorro é abandonar ou colocar alguém numa situação da qual dificilmente se desembaraçará, seja porque a situação é difícil em si, seja porque lhe faltam os meios.

comer gambá errado –  Parece que é uma variante de comer gato por lebre.
Como a carne de gato, embora apetitosa, não goze da preferência dos brasileiros, vender ou passar gato por lebre é enganar alguém e comer gato por lebre é ser enganado. Não sabemos de onde vem a preferência pela lebre e a repugnância pelo gato, que de fato existem, quanto à repugnância pelo gato, que de fato existem. 
Quanto à repugnância pelo gambá, o seu mau-cheiro explica suficientemente. Como o seu mau-cheiro pode ser totalmente eliminado, é fácil enganar alguém que gostaria de comer carne de lebre, passando-lhe gambá por lebre. 
A palavra errado funciona como predicativo do sujeito, como sinônimo de enganado, com nas expressões tomar um caminho errado, tomar um bonde errado, etc. Sendo assim, comer gambá errado é comê-lo enganado com quem come gato por lebre, é ser levado a fazer algo por engano.
Gambá - designa vários marsúpios. - estes animais têm a fama de gostarem extraordinariamente de cachaça. É, por isso, freqüente aplicar-se este nome como sinônimo de "bêbado", ou empregar-se em locuções como esta: "bêbado como um gambá".


Páginas 230 a 232 (O Pássaro da Escuridão)

que lhe deu garupa – fugiu com -  quando uma mulher foge à noite com o namorado.

cafundó dos infernos – lugar ruim – cafundó = lugar muito retirado e deserto.  Usa-se também na linguagem  das pessoas cultas, com a mesma significação, mas no plural. 
Em Portugal há "fundo", significando abarracamento, arraial, cujo radical entende G. Viana que há de ser banto, talvez '"cufúndu", cravar, enterrar.

anda em ponta dos pés – anda sem fazer barulho – escondido.

manda á fava – mandar embora alguém que importuna - segundo Câmara Cascudo, antigamente, votava-se com as favas brancas e pretas, significando sim ou não. Cada votante colocava o voto, ou seja, a fava, na urna. Depois vinha a apuração pela contagem dos grãos, sendo que quem tivesse o maior número de favas brancas estaria eleito.  
Daí vem expressões como "favas contadas" (negócio certo) e "mandar as favas" (parar de discutir e mandar a julgamento, a pleito, a votação, mas que depois tomou tom pejorativo e significou mandar a merda... enfim!)

plantar batatas – na segunda metade do século XIX, ser operário em fábricas dava dignidade, prestígio ao trabalhador. A agricultura naquela época era trabalho secundário,  feita por pessoas desqualificadas. Desta forma, mandar alguém plantar batatas era uma ofensa, pois o trabalho braçal no campo era tarefa rudimentar.

- velho de guerra –  conhecido há muito tempo (pessoa); usado há vários anos (objeto).



Páginas 233 a 240  (O Pássaro da Escuridão)

do carpido defunto – homem “bom” que morreu – carpideiras eram mulheres que choravam pelos defuntos, quanto mais choros mais mostravam o quanto o falecido era bom.

botar colher de pau – opinar  - botar a colher – a cozinheira quando dava autorização para que uma pessoa opinasse a respeito de uma comida dando-lhe uma colher para provar.  Meter a colher; meter a colher de pau; meter a colher enferrujada; meter o bedelho; meter o nariz; meter a catana, são variantes da mesma expressão.

Naquelas em que entra a palavra colher não há dúvidas de que a origem está na cozinha. Certamente, isto acontecer quando alguém, assumindo a responsabilidade da execução de um prato, não quis ceder às opiniões ou interferência de outra pessoa. Os determinantes de pau ou enferrujada têm a pretensão de desprestigiar as opiniões emitidas, os palpites dados.
Bedelho é uma carta de pequeno valor nos jogos de baralho. E meter o bedelho é intrometer-se inopinadamente em conversa ou assunto que não lhe diz respeito. Neste caso, o que se leva em consideração é o valor ou o peso da opinião, comparada a um bedelho, que é um trunfo menor.
Meter o nariz não significa uma interferência necessariamente ativa, podendo consistir em olhar de perto e atentamente, quase por mera curiosidade, interferindo passivamente nos negócios ou assuntos alheios. 
Meter o nariz onde não é chamado é a forma desenvolvida de meter o nariz
Sendo a catana uma espada afiada e longa, usada no Japão no século XVI, quando o vocábulo surgiu em Portugal, houve uma símile entre a espada afiada e a língua ferina. Por isso é que meter a catana tem a mais o sentido de ferir, falando contra alguém ou comentando fatos reprovativos.

para os quintos dos infernos –  xingamento - no começo da colonização brasileira vinham para cá muitos loucos (naturalistas e aventureiros) e os criminosos. 
Em Portugal diziam que o Brasil era um verdadeiro inferno- o fim do mundo. A certo tempo  da exploração do ouro a corte exigiu o pagamento do “quinto” (imposto de arrecadado – 20% do outro extraído) que era conduzido em naus até Portugal. 
Os portugueses ao avistarem os navios chegando diziam  “lá vem a nau dos quintos dos infernos”. Daí veio o xingamento de mandar alguém para os quintos.

nem todo mato é orégão – nem toda planta é boa para se comer – desconfiar do que se vê.

essa canoa virou – não deu certo – quando alguém não sabe conduzir o que está fazendo, principalmente quando se trata de algo que envolve mais pessoas e, por descuido dele, algo dá errado.

- moça teúda e manteúda – aparentemente, estas palavras são versões portuguesas para a palavra espanhola "Mantenudo" (Mantido). 
Eu não sei se por influência Espanhola ou Árabe, no Português antigo (arcaico) era comum que o particípio do passado de alguns verbos (nunca pesquisei se são todos) terminassem em "UDO" e, se não me engano, "UDA", também (conteúdo, manteúdo, vençudo), por isto esta construção.
Daí, dizer que "fulana é teúda e manteúda", seria o mesmo que dizer "fulana é tida e mantida (por alguém)" ou "fulana é amásia/amante de alguém".

enquanto ele vinha com o milho eu já tinha manjado o angu – resolvi a questão antes dele; sou rápido; sabia antes dele.

pintar os canecos –  fazer peraltice - o substantivo cão identifica não só o animal tido por quase todos como o melhor amigo do homem, mas também serve de apelido para os demônios chamados costumeiramente de espíritos do mal. 
Por isso sua associação com o que não presta, aí incluídos o indivíduo de má índole, o calote, o lanço infeliz no jogo de dados ou a designação dada a alguém por desprezo. Contudo, na Grécia antiga os demônios eram classificados como seres intermediários entre os homens e a divindade, ajudando os deuses na organização do mundo e na manutenção da ordem moral, sendo crença popular que cada cidade, cada família, cada indivíduo possuía um guia ou gênio particular, e segundo outros, dois guias: um bom, outro mau. 
Esta superstição também existia entre os latinos, que chamavam tais guias de gênios.
De cão veio o caneco, que mesmo sendo uma caneca de fundo estreito e bordos altos, é mais conhecido pelos brasileiros como a “taça da copa”, ou então como qualquer troféu do mesmo formato que os times brasileiros de futebol conseguem levar para casa. 
Na formação da palavra foi aproveitado o termo de composição eco, usado como sufixo para indicar inferioridade e depreciação, resultando daí que sua significação literal (diabo pequeno) proporcionou o surgimento da expressão “pintar os canecos”, com o sentido de peraltice infantil, fazer diabruras de pequeno tamanho, esbravejar, exceder-se ou cometer certos desatinos.

cai na vida – torna-se prostituta.

umas ganas – com alguns rancores; com antipatias.

o caramujo larga a casa e aponta os chifres –  homem que deixa sua mulher e sua casa está sujeito a ser traído (levar chifres).

não enjeita parada – faz de tudo – enjeitar = recusar, rejeitar, não aceitar, desprezar, abandonar.

doidera de macaquinho no sótão – ter ilusões; achar que algo muito improvável de acontecer é bastante possível; ser atoleimado; ter idéias fantasistas - essa expressão não é muito conhecida popularmente, talvez por causa da palavra 'sótão' tenha como um dos sentidos a fertilidade imaginativa e bem- humorada da criança: macacos são animais divertidos e engraçados, irresponsáveis, inquietos – mas que são responsáveis pela constante agitação da imaginação infantil. 
Sótão representa a parte superior de uma casa, geralmente o local onde se guarda apetrechos pouco utilizados. 
Então, aqui, o sótão pode significar o cérebro, a parte supostamente pensante do ser humano. 
Logo, ter macaquinhos no sótão significa estar em constante ebulição, em permanente processo de criação. Isso pode ser visto no menino maluquinho, que era um menino impossível, pois ser guloso, ágil, inquieto e imaginativo é tudo que há de mais produtivo em uma criança saudável.

um risco ao leu – coisa sem importância – ao léu = à toa, à vontade.

passava a taramela na porta – fechava a porta. 


 Taramela ou tramela é uma espécie de tranca para portas e janelas, moldada em madeira, com um furo no centro, é pregada no batente das portas, de tal forma que pode ser girada, mantendo a porta travada quando necessário.

eu vi com os olhos que a terra há de comer – quando quer dar veracidade ou que falou, como se fosse um juramento. 
Obviamente quando todos nós morrermos, nosso corpo não só os olhos, irão para debaixo da terra, então criaram esse provérbio se referindo aos olhos , porque a pessoa afirma ter visto algo, e ela diz que foi com os olhos que a terra um dia há de comer, ou seja um diz vai ficar pra terra.

juro por essa luz que me alumeia – falo a verdade; pra dizer que está falando sério, que não está mentindo – alumeia (MG); alomeia (MT)= ilumina.

dando cabo da vida – se matando.

dessa laia – de um certo tipo ou grupo - de uma mesma qualidade, espécie, natureza, caráter, índole: gente da mesma laia.

fazer de gato e sapato – Ser feito de gato e sapato, tratado com desprezo, é como ser um gato e estar sob a pata de um cachorro. É daí a mais provável origem da expressão. “Sob pata” teria se transformado em “sopata”, no mesmo processo que fez do termo “sob papo” a palavra sopapo. Não demorou para que “gato sopata” se modificasse para a expressão que conhecemos hoje. A associação com “sapato” possivelmente ocorreu por causa da rima..

Segundo nos conta o professor Ari Riboldi, no seu livroO Bode Expiatório, a origem seria a situação mais humilhante que poderia acontecer com um gato, ou seja, ser subjugado sob as patas de um cão, seu costumeiro e antigo rival.
O gato "sob a pata" ficaria, depois, sopata, como aconteceu com o "sob o papo" que virou "sopapo" e "sob o pé" que se transformou em sopé. Mas, a expressão não vingou e o que se popularizou foi "gato-sapato". 

cara de coresma – cara de penitência, se sofrimento – coresma = quaresma = do latim quadragésimaEssencialmente, o período é um retiro espiritual voltado à reflexão, onde os cristãos se recolhem em oração e penitência para preparar o espírito para a acolhida do Cristo Vivo, Ressuscitado no Domingo de Páscoa. 
A cor litúrgica deste tempo é o roxo, que significa penitência.  
Nessa época o verdadeiro penitente fica sério, não sorri, não canta, não usa roupas coloridas e não se importa se as pessoas vêem o quanto ele está sofrendo.

que se pela – que tem medo, receoso.

insensível como um prego – frio e rígido, podendo ter a conotação de meio usado para perfuração; dessa maneira insensível faz o trabalho que tem de ser feito. 


O prego foi  inventado há aproximadamente 5000 anos na Mesopotâmia. Existem pregos para aplicações especiais, principalmente para utilização em locais próximos às praias e construção naval, feitos, em madeira tipo "pau-ferro", em cobre, latão, alumínio ou outro material sintético.

malvado qual coisa ruim de rabo em chama -  pior dos piores – no folclore português, o coisa ruim de rabo em chama aparece durante o crepúsculo, nas horas abertas, pois são horas sem defesas, tempo em que o mal está livre – (Portugal)

bucefalice aguda –  idiotice; sem noção das coisas; bucéfalo = cavalo, burro, idiota.


 - bebia do meu lacrima-christi – do meu melhor vinho - (lágrima de Cristo, em Latim) é o nome de um célebre tipo de vinho produzido nas redondezas do Monte Vesúvio, na Campânia, Itália. 
Este vinho é branco, seco e tem uma graduação de 13º. É conhecido em Itália desde a Idade Média. Uma lenda diz que o solo esponjoso onde são cultivadas as vinhas foi roubado do paraíso por Satanás e que terá sido santificado através das lágrimas de Cristo.
Originalmente, este vinho era elaborado pelo mosteiro de Lachrima Christi, mas na atualidade, a maior parte é produzido com uvas lacrima, oriundo das localidades vizinhas

Páginas 240 a 281 (O Pássaro da Escuridão)

ponta pé de botina na canela –  levar um ponta pé vale a desonra, desmoralização absoluta. Nenhuma outra manifestação agressiva se equipara à brutalidade de sua significação: apanhar de pé, humilhação sem par. 
Por isso a expressão “quem dá de pé volta deitado!” pois quem dá pontapé em alguém volta na horizontal, posto em rede fúnebre, mortinho da silva. Até mesmo os escravos reclamavam: “ponta pé é para cachorro”. 

lobisomem à paisana – pessoa ruim fazendo-se de santo.

sanha do silêncio –  ficar calado por causa da raiva; sanha = fúria; ímpeto de raiva; crueldade; furor.      
                                                                                         
te mato, te pico, te boto... – acabo com você – te mato, te pico, te boto no pinico;

ai que estou querendo subir a serra – ficar bravo - a expressão "subir a serra", indica irritação; ficar bravo.  Em outra vertente essa expressão provém do costume de habitantes do litoral de retirarem-se para as cidades serranas vizinhas, fora de temporadas de veraneio ou fins de semana, inconformados com desavenças familiares ou políticas – (SP).

eu faço e aconteço – sou o melhor – frase Bíblica onde Deus se mostra o Senhor de todas as coisas, o Todo Poderoso que tem o domínio do Universo. Dessa forma essa expressão é usada quando alguém quer se mostrar o “todo poderoso”.

volta e meia  - de vez em quando e de forma continuada; frequentemente. Também se diz "vira e mexe" ele tem um ar esquisito. Quer dizer que a pessoa passa um tempo sem fazer uma coisa de logo volta a fazer outra vez. 
O garoto volta e meia pergunta pelo pai. Não é sempre, nem todos os dias, mas a pessoa continua apresentando o comportamento.

exibir ventania –  ficar bravo; ventania = ventas = nariz. Ficar fungando de raiva.

pinchar tudo daqui pra os... – mandar tudo embora; pinchar = mandar.

nem cobras nem lagartos – vem de “dizer cobras e lagartos”. Eugênio Pacheco e Carolina Michaëlis de Vasconcelos acreditavam que cobras, nesta frase feita, é uma forma antiga de coplas; donde dizer cobras significa satirizar ou zombar através de versos de escárnio.
A necessidade de fazer a frase redonda fez juntar-se a cobras, já com o sentido obliterado, a palavra lagartos, criando-se uma expressão simétrica, de quatro mais quatro sílabas.
João Ribeiro acredita, no entanto, que a estrutura desta frase já estava determinada na literatura bíblica, não sendo criada arbitrariamente, como supôs Eugênio Pacheco. Cobras e lagartos corresponde ao texto que é do salmo XC: "sobre o áspido e basilisco andarás", onde áspido e basilisco corresponde, mais ou menos a cobra e lagartos.
Luís da Câmara Cascudo acredita que a origem da frase esteja na imaginação popular, habituada à velha e feroz animosidade dos dois animais, assistida ao vivo ou narrada nos contos populares. Reuni-los na imagem de agressividade verbal seria conservar os elementos antagônicos como expressão viva de debate e guerra, de inferioridade cruel.
De qualquer maneira, o problema da estrutura métrica existe, assim como a rima aparece noutras expressões entre as que estudamos. No mínimo, ela facilitou a conservação da frase.

dizendo uns quantos nomes feios – usando palavrões, xingando.

-  arreganhadas bocas de mofa – falatório - mofa = motejo, zombaria, escárnio.  Arreganhadas bocas = bocas que vivem abertas. Falar sem parar debochando da vida alheia.

quem abrolhos semeia, espinhos hão de colher – abrolho = planta rasteira e espinhosa. (família das rutáceas) - Fig. dificuldades, amarguras: vida cheia de abrolhos.

bonito que nem prinspe – lindo igual os príncipes dos contos de fada – prinspe = príncipe.

t’esconjuro, credo! – te exorcismo; sai de perto de mim coisa ruim.

roncar que nem bizorrinho –  bizorrinho = besouro = gênero de insetos coleópteros, de asas membranosas com uma espécie de cobertura córnea, fazem zumbido forte.

alegre como um cabritinho – cabrito =  mulato moço, ou criança. Feliz como um mocinho ou criançinha.

cheio de rugas risonhas –  rugas do tipo pés de galinha que aparecem perto dos olhos de quem muito sorri. Sinal de que é feliz.

me enjerize, não! – não me deixe zangada.


fazer um pissilone – essa brincadeira do pissilone, ou melhor, do ipissilone, ainda existe na região da Serra da Mantiqueira e Vale do Sapucaí, ainda mais na zona rural. Ela é importante porque testa o equilíbrio da criança que, de pé, mantendo uma perna esticada, dobra a outra colocando os pés em cima do tornozelo da que está esticada, em seguida, pula fazendo a mesma posição com a outra perna.
Com o passar dos anos, a criança é estimulada a subir cada vez mais à altura da perna dobrada até chegar ao joelho, como se fosse o número quatro. 
Chama-se ipissilone porque as pernas ficam em formato de Y. Faz-se, também, para os pinguços para ver o quanto estão bêbados.

- arrede daqui  - saia  já daqui – vem de “ arrende o pé daqui” - Arrendado - (animal) - Descadeirado. Animal de montaria que, forçado pela redia e espora, deixa o trote natural, para marcha, transformando-se assim um "trotão" em "marchador".



que má pregunte –  dá licença mas eu vou perguntar... – pregunte = pergunte.

já não lhe fustiga os brios – não vai ferir sua dignidade - fustigar = ferir com palavras sem réplica; fustigar alguém com uma advertência. Brios = Sentimento da própria dignidade; pundonor; amor-próprio; garbo, galhardia.

há de se ver ás voltas comigo – me deve e um dia eu vou cobrar. Dar voltas até chegar ao ponto novamente.

ruminando um pensamento –  pensando a mesma coisa sempre – ruminar = meditar

botar sal na moleira – dar uma lição, dar um corretivo – (PI) – moleira é a lembrança do recém nascido. Antigamente na cerimônia do Batismo era usado o sal, porque nas famílias o Sal tem duas grandes finalidades: “dar sabor” e “conservar” os alimentos. 
Como Símbolo religioso o Sal significa: “ser o tempero, ser o exemplo” que estimulará o batizado a caminhar na estrada do direito, da justiça e do amor fraterno.  Botar sal na moleira do recém nascido, ensinar o certo; tirar do pecado.

 - encarou com o canto do olho –  olhou torto; olhou de esgelha = do grego skolios, obliquo. Olhar de esguelha = a atenção principal está em outra direção, mas algo acontece do lado que requer certo olhar.

mais frágil que um pintainho pequeno – raquítico; muito delicado.

-  vai chupar num prego – mandar chupar prego é mandar ficar com a boca fechada e fazendo algo que demora muito, quase impossível de se realizar.

de jeito atarantado –  de um modo admirado, assustado.

correu como um gansinho aflito –  correu com o corpo desengonçado.

tremendo qual cordeirinho estropiado –  triste e com muito medo.

dar tempo ao tempo – deixar como está, esperar para ver o que acontece;  esperar que com o tempo as coisas se resolvam. O tempo é mestre de tudo, diz o provérbio, o tempo tudo cura.

deixar correr o barco – não tomar alguma decisão momentânea; esperar.

chacoalhando os penduricalhos – fazendo barulho por causa dos adornos que leva no corpo – penduricalhos = bijuterias.

-  com um alaxidão de jibóia farta – lenta – jibóia é uma cobra que depois que engole sua presa (pode ser até mesmo um boi) ela fica vários dias em estado de dormência para fazer a digestão da comida. Desse jeito quase não se move, mas se tem de fazê-lo é vagarosamente.

voz grossa no caroço de Adão – homem muito macho.

-  igual um toco de pau em pé – sem se mexer; fixo no lugar – toco de pau não se move.

pra meter meu nariz no fuxico – falar da vida alheia; dar meu palpite na vida dos outros.

-sinto friume de geada de junho no meu corpo – calafrio – friume de geada = frio de geada.

um calafrio cá no espinhaço – frio na coluna -  espinhaço = coluna; medo.

meu pensamento volante vai num átimo – penso rápido.

coisinha mui maneira – algo muito bom.

só gosta de ruar – gosta de ficar andando pelas ruas.

espreitar o pássaro merencório – ver uma ave que à noite faz um barulho como se estivesse rasgando um pano. A superstição diz que sempre que se ouve o barulho do pássaro merencório é sinal de morte da pessoa ou de um conhecido.

feiúra chegou ali parou – é muito horroroso; feio demais.

pega de chofre – ser pega de chofre quer dizer ter um choque repentino.

correndo como emas em pânico – correndo sem direção; as emas quando estão alarmadas correm para todos os lados.

igual saia vermelha a fugir da vaca – quanto mais corre mais chama a atenção e mais é perseguida. 

igual quem visse uma gatinha verde – assustado; como se visse alguma coisa impossível de existir.

arregaçando as mangas – trabalhando o tempo todo.

da era dos afonsinhos – de há muito tempo, antiquado, obsoleto -  era dos afonsinhos é relativo à primeira dinastia dos reis portugueses. Do tempo dos afonsinhos; da era dos afonsinhos: muito antigo, muito velho; antiquado

cara cor de cuia – rosto moreno; sem ser predominantemente branco. Usavam esse termo antigamente para definir uma pessoa que não tinha traços (cor) dos europeus.

do meio para trás – voltando.; dando a ré; sem ir adiante; sem evoluir.

nem a troco dum cem-mirréis – nunca; nem por algum dinheiro do mundo.

a meter os pés pelas mãos – fazer tudo errado – o que era para fazer de uma forma foi feito de outra maneira.

pinchar para a banda de lá – mudar de lado; jogar para o outro lado.

dando demão – fazendo novamente.

fraco da idéia – idiota – sem concentração; não tem inteligência.

já está cá no papo – já consegui; já é meu; essa eu já papei = comi; está comigo; me pertence.

raio me rache se não for – quero que um rio me rache se não for verdade – juramento para impor respeito á veracidade.

que tem tanto topete – muito atrevido. O topete era um penteado ousado para sua época; dessa forma ficou registrado como atrevimento.

cuspindo a toda hora como um pato com destempero – pato destemperado = pato com diarréia faz coco mole a todo instante.

com a boca cheia d’água – com vontade. Quando estamos com fome e sentimos o aroma de uma comida nossas glândulas salivares entram em ação e segregam as salivas na boca, ficamos com a boca cheia d’água de tanta vontade.

feio pra cachorro – horroroso.

corre que é uma desgraça – anda ligeiro – dizem que notícia ruim chega logo; desgraça corre e chega rápido.

assadinhos em foguinhos de pau – feitos no fogão a lenha.

lambari é lagosta de pária – comida de pobre –lambari (peixe comum) é como se fosse uma lagosta (crustáceo raro e caro) para servir de alimento ao  homem desprezado e repudiado pelos demais.

bodocada certeira na galinha preta – retirar mal olhado  - bodoque = arco, quase idêntico ao com que os índios atiram flechas, mas de pequenas proporções (cinco, seis, oito palmos), usado para arremessar pelotas de barro, à caça de passarinhos: "E o caboclo perdeu meio dia de serviço para fazer o bodoque, bem raspado com um caco de vidro que levou da cidade, encordoando-o com corda de linha "clark" encerada a capricho, rematando com gosto de artista a obra, desde o cabo até a malha". 
O "Novo Dic." dá como ant., significando "bola de barro, que se atirava com besta" e aponta-lhe o étimo no ar. "bandoque". Bodocada = tiro de bodoque. Figuradamente, alusão rápida e áspera, remoque, dito ferino.

tomar tento – prestar atenção - tento = tiras de couro; particularmente, as tiras de que estão providos os lombilhos dos campeiros, as quais se amarra o laço enrolado, ou qualquer outro objeto.

na cafundoca do inferno -  igual a cafundó dos infernos – lugar ruim – cafundó = lugar muito retirado e deserto. 

entendo do riscado – sei o que estou fazendo; sou conhecedor profundo do assunto – para fazer uma pintura ou um bordado tem de fazer o riscado = cópia em papel manteiga ou papel vegetal. Também se precisa saber interpretar uma planta ou desenho técnico para concluir uma obra, tem de entender do riscado.

vá num pé, volte no outro – vá rapidamente.

Deus, às vezes, fecha uma porta e abre outra – oportunidade – não perder a esperança quando algo deu errado (fecha uma porta) porque alguma coisa boa depois vai acontecer (abrir outra porta).

cruzar as mãos e esperar – não fazer alguma coisa; ficar esperando; aguardar sem agir. Cruzar as mãos é uma atitude que não dá chance para trabalhar com as mãos.

chuvinha criadeira que cai cai cai... – chuva de verão que faz os vegetais crescer.

a dar com pau – que tem muito; em grande quantidade.

língua de trapo – fala demais; roupas depois de muito usadas viram trapo. Vem daí essa expressão, pois a língua muito usada é língua de trapo.

não tem papas na língua – falar franco; ser desbocado - João Ribeiro supõe que a nossa frase é uma adaptação da frase castelhana "No tiene pepitas en la lengua", com a evolução de pepitas para papitas, que é o diminutivo de papas. 
Pepitas, em castelhano, corresponde a pevides, que são películas que revestem a língua de algumas aves, ou, no singular, uma espécie de disartria na qual o paciente tem dificuldade ou até impossibilidade de pronunciar o /r/. De qualquer modo, pode ter havido até uma confluência sêmica, facilitando o entendimento da frase.
Não ter dificuldade de articulação e não ter daquelas películas, próprias das galinhas, pegadas à língua é poder falar o que quiser, pois o papagaio pode articular bem o /r/, mas não fala o que quiser, porque é uma ave e não uma pessoa.

Pode falar o que quiser somente quem não tem papas na língua, mesmo que papas sejam batatas inglesas (como dizem os gaúchos) ou qualquer tipo de mingau (como se ouve no Nordeste). Quem não tem papas na língua está com a boca desimpedida para falar.
Aliás, achamos que a expressão deve ter sido não ter papas na boca (se papas forem as batatas ou os mingaus). Língua deve ter surgido como uma analogia com idioma; uma espécie de assimilação semântica.

como insetos no calor da fogueira – atraídos pela luz do fogo e ficando agitados demais.


Páginas 281 a 287  (O Pássaro da Escuridão)


escarrando gargalhada – rindo alto – escarrando de tanto que riu. 


Ás vezes quando se ri muito fica-se com falta de ar e até mesmo cria um muco que precisa ser escarrado, para chegar a esse ponto tem de dar muitas gargalhadas.

pelejam as comadres, descobrem as verdades – de tanto conversar as comadres falam os segredos delas e dos outros.

deitando azeite ao incêndio – aumentando o mal -  o azeite é inflamável e com isso aumenta o fogo.

ouvindo uns zunzuns – zunzuns vem da expressão de ouvir alguma coisa por cima sem conseguir ouvir direito a conversa, como se fosse um som de abelhas no mel.

arregaçou a saia e campou no pé – saiu correndo – arregaçar a saia = levantar a saia; campou = correu. Quando uma mulher precisa correr e está de saia, para que ela não tropece ou não enrosque em alguma coisa precisa levantar a saia até o joelho.

é da Tereza tesa que sobe na mesa com a vela acesa –  uma variante da expressão “ é da Tereza tesa que está em cima da mesa com vela acesa”; que quer dizer que é do defunto; do morto. Mulher esticada no caixão sendo velada.

tragédia tagarelada – quando algum drama acontece e as pessoas ficam comentando o assunto por vários dias.

por fulanas e sicranas –  vem de “fulano, sicrano e beltrano” – fulano, vem do árabe: fulan– alguém. Beltrano vem do espanhol – alguém. Sicrano, ainda não se sabe de onde vem.

babau, já disse  - já disse que acabou; que se foi.

meteu as canelas pro meio dos milhos – fugiu.

acabou-se o que era doce – terminou. Vem da expressão “acabou-se o que era doce quem comeu arregalou-se” usada para determinar o fim de alguma coisa.
Como toda criança gosta de doce, essa expressão deve corresponder a uma forma disfêmica de negar às crianças aquilo que elas pedirem. Esta deve ter sido a origem da expressão. É menos agressivo alegar que o objeto solicitado não existe do que negá-lo pura e simplesmente com um não.
Variante sintética muito comum é o já era. Um pouco menos, aparece o era uma vez, nascido dos contos populares e das histórias infantis.
Acabou-se o que era doce corresponde a acabou-se o que você queria. O doce como sinônimo de coisa saborosa e desejada parece constantemente nas músicas populares, nas conversas românticas de namorados, não estando muito afastado nem mesmo da fraseologia. Vejamos alguns casos: dar os doces; dar um doce se acertar; quando serão os doces? ser um doce; etc.
A sabedoria popular nordestina registrou a excelência indiscutível do doce neste provérbio: não há doce ruim nem cabra bom.

desferruja a língua – fala sem parar -  desferruja = desenferruja. Algo fica enferrujado quando não é usado, fica muito tempo parado.

nem com reza brava – nunca. Quando alguém quer alguma coisa faz-se uma reza brava, isso é uma oração poderosa para conseguir seu intuito.

nem com vela acesa – impossível. Antigamente não havia eletricidade e para encontrar algo no escuro era preciso acender uma vela para iluminar onde estava procurando.

nem com apito de soldado – nem segundo a lei – antigamente quando o soldado estava na captura de alguma coisa ele apitava anunciando seu encalço, geralmente enquanto corria.

nem botando cachorro no mato –  botar cachorro no mato é ter a certeza de que encontrará algo, uma caça, algo perdido, o caminho certo, enfim o cachorro ajudava.

com archote de xique-xique –  usando um tocheiro feito de cacto - archote é uma tocha; xique-xique é um tipo de cacto de fácil cultivo e que pode atingir 4 metros de altura.

muita porteira fez nheenn por aí – gente que saiu ou gente que entrou – quando uma porteira é aberta as dobradiças fazem barulho anunciando chegada ou saída, por isso não os antigos não usavam engraxar as dobradiças das porteiras.

da banda das brenhas – do lado do matagal – brenha = mata espessa. 


Da maneira figurativa, brenha = coisa muito complicada; confusão. Cabelo embrenhado é o mesmo que cabelo grande e emaranhado.

boca de matraca da coresma – falando sem parar as tristezas da vida pra todo mundo ouvir – durante a quaresma existe um ritual de nas sextas feiras, à frente de uma procissão, vai uma pessoa  movimentando a matraca (peça de madeira com dois ferros como se fossem maçanetas, presas apenas por dois pontos, articuladas de um lado para o outro fazem barulho) para anunciar a morte de Jesus, exigindo silêncio.

vá plantar mangarito –  O mangarito é uma erva da família da aráceas (a mesma da taioba e do inhame), cujos tubérculos, do tamanho de ovos de codorna, são comestíveis e muito saborosos. 


Sua propagação é vegetativa, ou seja, utilizam-se os próprios tubérculos para o plantio. 


Plantar mangarito não é fácil porque o maior problema é que ele não é muito conhecido, sendo relativamente difícil obter rizomas para iniciar o plantio;  outra  dificuldade está em limpar e remover a casca.

vá balançar os papelotes – ficar brava – antigamente as mulheres para ficarem com o cabelo encaracolado (naquela época nem mesmo existiam os bobis)  usavam papelotes para enrolar os cabelos e ficavam quase que o dia todo com eles, algumas nem mesmo lenço colocavam. 
Quando bravas com os filhos ou algum outro motivo balançavam a cabeça cheia de papelotes. Essa expressão é usada apenas para mulheres, quando dirigidas a um homem quer dizer que ele não é de nada... nem mesmo quando está bravo.

vá dar banho em urubu – fazer coisa difícil – primeiro que para pegar um urubu exige muito treino e paciência, segundo que essa ave come carniça e cheira mal.

abelhudando a vida alheia – sondando – abelhudar é viver como uma abelha voando daqui e dali, de flor em flor, para saber das coisas.

contando cantiga no quiriri – quebrando o silêncio da noite – quiriri =  silêncio noturno; calada da noite. Quiriri vem do tupi ¨kyrirá¨.

chorar de tanto riso – rir até não agüentar mais. Algumas vezes as pessoas riem tanto que chegam a ficar com os olhos cheios de lágrima, pois ao movimentar os músculos da face um deles aperta do canal lacrimal fazendo com que os olhos fiquem úmidos.

-prurido mundial das línguas danadas – veneno da fofoca. Falar demais.

daquilo ninguém tem lume – ninguém sabe – lume = chama, labareda, luz.

-pondo um pico de pimenta queimosa na polpa dos beiços – fofocando, falando mal da vida dos outros.

diz-que-diz-que – conversa fiada – um diz que, outro diz que, e assim por diante.

mexericai, mulheres, mexericai – fazei fofoca – mexerico = falar da vida alheia.

o silêncio é só para os mortos – somente quem está morto é que não pode falar e nem ouvir; fica em silêncio para sempre. Essa expressão é usada quando a pessoa é questionada por falar tanto da vida dos outros, ela diz que já que está viva pode falar bastante porque “só fica quieta quem está morta”.

queimada com tição de fogo no catre do pecado –fazendo sexo.

o pau vai cantar – briga, surra – antigamente, os pais educavam os filhos com surras de vara (pau) de marmelo. 
Quando a criança fazia arte, o pai ou a mãe pegava a vara de marmelo (sempre havia uma à mostra pelos cantos da casa) e só de balançar a vara saía um som o qual a criança bem conhecia... para que a vara de marmelo ficasse nesse ponto de “cantar” tinha de ser sapecada em fofo baixo, no fogão à lenha.

não soltar foguete antes da festa – aguardar;  não ser precipitado – antigamente, os acontecimentos marcantes em uma cidade do interior ( casamento, quermesse, procissão, nascimento, crisma, etc) era anunciado por um foguete ou vários foguetes. 
Essa é uma tradição que perdura em algumas cidades. 
Sua origem é antiga, Santa Isabel anunciou o nascimento de São João Batista  acendendo uma fogueira,  para que Nossa Senhora soubesse do acontecimento.

com o beiço babujando o mexerico – fofocando – babujar = soltar. Soltando todo boato que ouviu.

careço de beber água de flor – acalmar – água de flor =  calmante.

esticar as canelas – morrer - igual ao termo bater as botas.

boquejos de bocas danadas – fofocas – bocas danadas = falar mal dos outros; ser danada, criar dano; ser malvada.

guardar segredo em baú de folha com cadeado – não contar para o outro o que se sabe – baú de folha com cadeado era a forma mais segura de guardar um tesouro dentro de casa. Geralmente feito em folha de cobre, com um grande cadeado de ferro.

deixar peçonhar – falar mal – peçonha = veneno.

será que essa laranjeira tem marimbondo? – desconfiar de pessoa muito fácil – o mesmo que “laranja madura na beira da estrada tem marimbondo no pé”; porque está fácil demais de pegar e outro já passou por ali... por que não pegou? Tem alguma coisa errada!

atenção nas orelhas – escuta tudo – fique de orelha em pé. Os animais para apurarem a audição de algo que na maioria das vezes nem mesmo o homem escuta eles ficam de orelha em pé.

corre de galinha e de careta – medroso – correr de galinha é ser fracote. Correr de careta é não enfrentar outras pessoas.

manchando até donzela brancosa – acabando com a reputação das mulheres de família.

friage cá nos começos do oco da barriga – frio na boca do estômago – medo.

ficado derradeiramente com o nariz de palmo e meio – mentindo – vem da historia infantil Pinóquio, onde o boneco de madeira que virou gente mente tanto que o nariz cresce a cada mentira, ficando cada vez maior.

dava o cavaquinho por ele – fazia de tudo por ele. Dar o cavaquinho é doar o que tem de melhor. Geralmente quem toca cavaquinho ou violão não se desfaz desse instrumento por nada ou por ninguém.

ele não tem letra, mas tem tetra – não estudou, mas é bom de lábia; bom de conversa.

comendo de cuia, bebendo de cabaça – empobrecido – nas casas mais pobres os utensílios geralmente eram feitos à mão. Pratos eram feitos de cuias de coqueiros ou de cuité; a água era armazenada em cabaças que ficavam dependuradas em um canto escuro e frio.

como papagaio empoleirado no pau – preso no lugar e falando sem parar.

tem é pé-de-anjo – sabe dançar – o anjo é quem traz alegria ao ser humano; leva-o até o céu. A pessoa que dança bem faz seu parceiro sentir-se nas nuvens, feliz.

isso vai dar sarrafusca – isso vai ser uma desordem total – sarrafusca = balbúrdia, confusão, motim, desordem.

aprontar pancadaria – brigar – pancadaria = socos e pontapés.

cabrito fogueto – homem jovem e mulherengo.

dito picante – conversa maldosa.

xixixi de chuvinha no lusco fusco brasileiro – chuva de fim de tarde – lusco fusco é o entardecer.

mulherada arengueira –  mulheres que fazem mexerico da vida dos outros; pessoas que são  intrigantes.

escândalo que regala o povo – motivo para falar mal da vida dos outros.

-sujeitinho caguincha – medroso - o mesmo que sujeitinho caguira – caguira = azar, caiporismo, medo.

remedo de homem – não faz jus em ser homem – remedar é imitar alguém, mas não ser esse alguém.

olho fosco doente de sapiroca -  que tem os olhos inchados de tanto chorar  sapiroca = do tupy-guarany "çapiron", chorar.

pequenitote e jirigote – gente insignificante por ser trapaceiro– jirigote = velhaco, trapaceiro, trampolineiro.

Páginas 288 a 292 (O Pássaro da Escuridão)

depois de depenar – deixar com nada – depenar alguém é tirar tudo que a pessoa tem. Vem de depenar a galinha = arrancar todas as penas da ave.

carinha finória – jeito de espertalhão; astucioso; sagaz.  Ladino: finório como uma raposa.

floreado baú de roupa branca – baú de enxoval – antigamente as mulheres, logo que nem bem chegavam à adolescência,  ganhava um baú de madeira para guardar seu enxoval de casamento. Todo enxoval era feito à mão pelas mulheres da família: mãe, avós, tias e primas. 
Compravam fazendas de algodão banco e faziam os lençóis, fronhas, vira-lençóis, toalhas de banho e rosto, panos de prato e até mesmo uma linda camisola; todas peças tinham bordadas as iniciais da jovem, à espera das iniciais do futuro marido.

acogulado de bugiganga – cheio de pequenos enfeites que não tem valor monetário.

miudagens deslembradas – coisinhas esquecidas.

cada banda da cacunda –  cacunda = costa.

custaram muita pelega –- foram difíceis de serem adquiridas; custaram dinheiro - Pellega - cédula de papel moeda.

mercê do ofício de amar – prostituta – a mercê = a serviço; ofício de amar = usar o sexo como meio de trabalho, de onde se ganha dinheiro.

carinha de camafeu – bonita – antigamente  o adorno mais usado pelas mulheres era o tal do camafeu. Uma peça oval, do tamanho de um botão, onde havia esculpido em marfim ou madrepérola o rosto (de perfil) de uma linda mulher.

saracoteando as cadeiras com descaramento – rebolando – saracotear é ir de um lado para o outro; cadeiras = ancas; descaramento = despudorado.

esquecendo os passados pelos séculos dos séculos – esquecendo tudo para sempre – “pelos séculos dos séculos, amém!” – faz parte de oração do Glória!

faz uma boa cata – pega tudo que pode.

ardem os miolos – pensa demais, esquenta a cabeça.

-  quem com ferro fere, com ferro será ferido – essa é uma expressão Bíblica - o que se faz de errado a uma pessoa vai, também, acontecer com o que fez.

reza o trilhado rifão – é dito sempre assim – rifão = refrão. “Rezar o refrão” é repetir o que está dito há muito tempo. Nas orações tipo “ladainha” a jaculatória da oração é repetida dezenas de vezes.

nada como um dia depois do outro – a vida continua.

faz reinação – apronta alguma desordem; alguma brincadeira.

apartado da graça – gente ruim – quem está com a graça está sob a proteção divina, é do bem.

não acho arrumo no mundo – sem destino – rumo = aonde ir.

a bem dizer – falando sério.

lengalenga interminável – conversa fiada.

arco reteso de um bodoque deitado – em ponto de se defender mas sem ter como – arco/flecha  e bodoque são armas usadas por índios – retesar o arco é estar pronto para lançar uma flecha – bodoque deitado é arma que não está sendo usada. Isso quer dizer tentar se defender da maneira errada.

de uma acha – de um pedaço de madeira – acha = madeira  tosca para o lume, tora de lenha, cavaca: as achas de uma fogueira.

me despejo de cima do morro – me jogo lá de cima; me mato; acabo comigo.

desgringolou numa barranca – caiu do morro – desgringolou = caiu sem jeito.

morreu de redemunho – afogado – redemunho = redemoinho de água.

gostava de balcão de botequim – bêbado – vivia de bar em bar; bebia o tempo todo.

sepultará sem dobre de finados – morto sem enterro – durante o funeral de quem ia ser enterrado com dignidade os sinos eram entoados, era o dobre anunciando a tristeza dos parentes e amigos. Ainda hoje algumas cidades mantêm essa tradição secular.

penará na treva perpétua – ficará sempre no inferno – penar = pagar pecado; treva perpétua = inferno.

sem dar fé de nada – sem contar o acontecido – dar fé é falar o acontecido sendo testemunha  ocular.

alumiado por luz amarela – com luz de vela – alumiado = iluminado; luz amarela = luz de vela.

morte morrido num santiamém – morreu e que Deus o tenha – morte morrido = morte natural; santiamém = com oração.

pincha de coco – cai de cabeça – pinchar é cair, jogar; coco = cabeça.

no fim das contas – resultado final – depois de tudo colocado para somar ou subtrair faz-se o resultado final para ver se houve perdas ou ganhos.

-  a dita há de ir amoitada – vai escondida – a dita = qualquer pessoa que não precisa ou não quer ser reconhecida; amoitada = na moita; escondida.

sem alarida nenhuma – sem algazarra – alarido = barulho.

quem bem ama, bem castiga – quem gosta educa – o castigo era uma forma de educar as crianças, até mesmo o castigo corporal era visto com bons olhos, diziam “é de pequeno que se torce o pepino”, mas hoje os castigos são mais brandos, sem dores corporais. 
Existe o mesmo provérbio em francês, com esta forma: “Qui aime bien, chatie bien”. Em espanhol Cervantes escreveu em “Rinconete y Cortadillo”: “A lo que se quiere bien se castiga”. Machado de Assis parodiou a forma francesa, referindo-se a uma vaia no teatro de ópera, já Rui Barbosa preferiu a forma latina: “Quos amo, advirto e corrijo”.

basta de chove não molha – chaga de falar e não fazer – se chove tem de molhar pois é uma conseqüência natural da chuva.



Páginas 293 a  303 (O Pássaro da Escuridão)

é alvo de mil motejos – fazem zombaria dele – motejo = mofa, zombaria, dito picante.

seu excruciado destino – seu futuro é um tormento – excruciado =  Aflito; pungente; atormentado; martirizado.

coragem de ver estrebuchar – capaz de ver alguém morrer – estrebuchar = momento em que o corpo dá as ultimas mexidas antes de ficar inerte.

sem pregar o olho – sem dormir – fazer uma prega na roupa é descer um pequeno pedaço do pano encobrindo um vão; pregar o olho é descer as pestanas, dormir.

mercê de cerebração infernal – se deixando ficar com pensamentos ruins.

condoído de si mesmo – pena de si – condoído = com pena, com dó.

dinamitar lá dentro a caixa do peito – matar seu coração; ficar sem sentimentos.

defuntar de vez – morrer.

como um cão que lambe feridas – tentando se curar sozinho – tentando remediar o que lhe dói sem ajuda dos outros.

nessa esparrela não caio, não – não acredito – esparrela = conversa fiada.

assim ou assado? – de que forma? – como você quer?

dormi no ponto – passou a hora – quem dorme no ponto não vê a condução passar; não sai do lugar.

as horas não esperam – o tempo passa – o relógio continua se movendo; o mundo não pára porque queremos; tudo se move.

engrossa a voz – seja homem – voz de quem tem pomo de Adão.

dar uma coça – bater, dar uma surra.

não espero o biscoito assar – faço antes do tempo – não sei esperar.
por derradeiro – ultima coisa.

nem coto de vela pra abrandar – nem uma luzinha – os cotos de velas não eram  jogados fora, eram guardadas para alguma necessidade; mesmo que durasse alguns minutos apenas acesos poderiam servir de ajuda.

esticar o cambito – morrer – o mesmo que bater as botas.

tiro minha desforra – terei minha revanche; me paga pela desafronta.

mansão do sono – morte.

ao modo dum bicho de bote armado – escondido – igual um animal que espreita para atacar.

coragem do sangue frio – sem sentimentos – significa que essa pessoa agiu de forma intencional, mesquinha, planejada de forma "fria e calculada".

botocudismo feroz – instinto animal, selvajaria.– com o caráter, procedimento ou qualidade de botocudos.

truculência troglodítica – feroz – do jeito truculento (feroz, bárbaro; cruel) dos trogloditas -  da maneira bárbara dos que moravam em cavernas.

de tombo em tombo – errando – de erro em erro; caindo e levantando; sofrendo muito.

gaguejando uma prece – orando na hora do pavor; geralmente se fala assim de alguém que está em apuros e não sabe rezar então gagueja uma prece.

é patético – é comovente; é de deixar sensibilizado; tocante.

ovelhinha perdida – pecadora – ovelha perdida é aquela que se perdeu do rebanho; que está fazendo outras coisas que não aos olhos do Bom Pastor.

dando trela – dando atenção; se enamorando; se mostrando.

sem luz que alumie – perdido – na escuridão; pecando.

por caminho torto -  fazendo errado – se diz que é torto o que é errado; o que não é reto = correto.
á rédea solta – sem controle – levar um cavalo à rédea solta é deixar com que ele vá aonde quiser; sem ser guiado pelo dono.

para o que der e vier – disposto a tudo.

num beco sem saída – sem alternativa – beco já é estreito, sem saída então é ficar sem alternativa.

-  noite negrimadura feito jabuticaba – já é noite há algum tempo = noite madura; muito negra = igual uma jabuticaba.

resvala na boca de quem fala – comenta sem razão.

templozinhos dispersos de um só altar –  simples capelinhas.

craniozinho ventoeiro – cabeça de vento.

como se lhe pesassem nos ombros – com muita preocupação – pesar no ombro – levar uma carga.

morreu a vaca Vitória e acabou-se a história!  - modo interiorano (MG) de terminar uma contação de “estória”.

quem quiser que conte outra – “entrou por uma porta e saiu pela outra quem quiser que conte outra” chavão que se pronuncia ao contar uma “estória” em para um grupo de pessoas.  É a deixa para que outra “estória” seja contada.

dá o corpo a troco de um brinco – vende-se por pouco; faz sexo por pequeno pagamento.

então ela trepa até num pau de sebo – mulher que gosta de fazer sexo – pau de sebo é um tronco muito alto, untado com banha, onde na ponta ficam algumas prendas, as pessoas tentam pegar as prendas trepando neste pau sem servir de ajuda.

é uma calada -  tudo quieto – na calada da noite = no silêncio da noite; muito tarde, quando os ruídos cessaram e todos se encontram recolhidos em seus lares. 


 Existem, também, as expressões: “Noite velha” e “ A horas mortas”.

soara a hora e escrito estava – tudo fadado ao acontecimento – estava predestinado.

espera o galo cantar – aguarda o amanhecer.

cara de espantalho – sem mudar a fisionomia; parado do mesmo jeito.

nenhum telhadinho fumegando – sem comida – quando o fogão à lenha está ativo há uma fumaça saindo pela chaminé que, geralmente, fica acima do telhado.

aferrolhou as portas – fechou – ferrolho = tranca – hora de recolhimento.

rezar o crendospadre de trás para frente – reza brava – o Creio em Deus Padre antigamente era rezado de trás para frente quando em momento de aflição.

não há vivalma – tudo deserto- vivalma = viva alma. Sem alguém.

vilório sem lampião – situação triste – saber que o defunto existe, mas não tem como vê-lo.

canto martelante – sempre o mesmo. Martelante = que fica batendo no mesmo lugar fazendo barulho.

rezando reza rústica na escuridão – à noite ficar orando em latim – reza rústica = orar de maneira antiga.

Páginas 304 a  312 ( O Pássaro da Escuridão)

pedir água do céu – pedir que a chuva aconteça.

a boca dizer que não e o olhar dizer que sim –  falar uma coisa e querer outra coisa.

afinar as canelas – correr bastante para fugir de alguém.

a escuridão tem dedos vivos – é à noite que as coisas acontecem.

à mercê do destino – sem controle da vida.

manso boi cangueiro – homem casado.

fumegar pelas ventas – ficar bravo –  abanar as ventas – desfeita – as ventas (orifícios do nariz), são partes nobres, intocáveis como a barba. No nhengatu, ti, tin, quer dizer:  nariz, focinho e, também, vergonha. 
Por isso o clássico: não ter vergonha nas ventasouvir desaforos nas ventasMeter o dedo nas ventas de alguém é suprema injúria, é humilhante. Se ele repetir o que disse, meto-lhe o dedo nas ventas!... é uma frase comum para mostrar desafio.

uma paixão sem peias – uma paixão sem estorvo, sem impedimentos, sem algum obstáculo. Uma paixão sem medidas.

como cipreste esquálido – magro e alto, figura viva da morte. Cipreste é uma arvore que é o símbolo da morte, da tristeza, da dor.

dor de anhumapoca na escuridão – barulho que uma ave faz durante a noite - (anhuma+tupi póka, barulhento). Anhumapoca é uma palavra indígena que define uma ave. 
Essa ave mede cerca de 80 cm de comprimento, com pernas vermelhas, plumagens pardo-acinzentadas, pescoço com gola negra e estreito círculo branco. Suas asas são negras e com uma grande área branca visível durante o vôo. 
São conhecidas ainda pelos nomes de anhuma-do-pantanal, anhumapoca, anhupoca, chajá, inhumapoca, taã, tachã-do-sul, tajã, xaiá e xajá.

rumo às vias de fato – resolver toda a questão.

medo da própria sombra – covarde – há um ditado que diz: “quem brinca com a sombra, assombra-se”. A alma e a sombra tinham a mesma denominação em Roma, “umbra” e significava o espírito do morto vivendo no reino de Plutão, o reino das sambras. 
Pisar na sombra de alguém é agouro em toda a Europa e se passou a superstição no continente americano.

arreda que eu vou com pressa – sai da frente que eu vou passar.

topa qualquer parada – faz de tudo.

olho vivo – presta atenção.

nenhuma contrição o faria retroceder – não voltaria – contrição = arrependimento. Mesmo que tivesse arrependido ele não voltaria.

assuntando a escuridão – olhando no escuro - assuntar = prestar atenção em.

crânio mui-muito choca – cabeça ôca demais; sem nada na cabeça.

barreado de fresco com tabatinga – feito a pouco tempo - tabatinga = espécie de barro que se usa para fazer casas de pau a pique.

um tiquinho de céu em plena terra – lugar especial – tiquinho de céu; “pedaçinho do céu” era como os caipiras chamavam o lugar onde moravam na roça.

escarafunchar todos os detalhes – perguntar – escarafunchar = querer saber de tudo.

manha de chupim trapaceiro – deixar outros cuidar do que era trabalho dele – chupim é um passarinho que coloca seus ovos no ninho de outros pássaros para serem chocados por eles.

caçando modo de adivinhar – pensando em como poderia ser.

pranto de pedra pensante –  tudo impossível, tanto pedra pensar quanto pedra chorar.

que faz despavorir a gente – amedronta – espavorir = colocar medo.

grito agoureiro de ave anunciadora – aviso de coisa triste, más notícias – “anuncio de ave de mau agouro” esta expressão originou-se do costume que tinham os augures romanos de predizer acontecimentos bons ou maus, observando o vôo das aves ou lendo nas vísceras das galinhas. 


Havia aves de bons ou maus agouros, ou de mau augúrio.

aiaiai que dor de cotovelo – quem está com “dor de cotovelo” está com ciúmes, está com inveja de alguém.

dorme mais que Branca de Neve – dorminhoca – Branca de Neve é personagem de história infantil que comeu uma maça e ficou dormindo muito tempo.

a reparar melhor – olhar bem – botar reparo – ficar analisando.

umas ganas de rachar –  umas vontades ruins – “de rachar” é porque tem muita vontade.

Ah! porquinha-de-santo-antão –  solta sem ter medidas. 


Baseada na devoção ao santo nasceu a "Ordem Hospitalar dos Antonianos” que se especializou no tratamento de doenças contagiosas: a peste, a sífilis e outras epidemias graves. Com o fim de obterem os meios necessários para o combate a esta e outras doenças, os Antonitas dedicavam-se à criação de porcos. 
Os seus animais, com uma campainha ao pescoço, podiam perambular pelos terrenos baldios de toda uma vasta região e até mesmo entrar nas aldeias, de porta em porta, à procura de alimento. 
Por esta razão, nas imagens de Santo Antão, o santo é sempre acompanhado por um porco, que mais parece um pacífico cão de companhia.

como rato no queijo – satisfeito – essa expressão provém da fábula de La Fontaine; “O rato que de retirou do mundo”. 
O ideal de um rato solitário é meter-se dentro de um queijo e de lá dentro acabar seus dias, a roê-lo internamente.
Diz-se: “por um rato dentro de um queijo”, quando um indivíduo, desonesto, é nomeado para uma função em que ficam sob sua guarda o dinheiro público. José de Alencar em “O Garatuja”

aconteça o que acontecer – “seja lá como for” – geralmente usado no termo: “aconteça o que acontecer eu vou fazer...”  mesmo que isso saia errado eu faço; até mesmo tendo a possibilidade de dar errado.

venha o que vier –  não estou mais importando com as coisas;  não tenho como modificar a situação.

hei de dar cabo de tudo – finalizar – dar cabo = acabar, dar um fim. Dar cabo de tudo = dar cabo da vida; se matar.



Páginas 313 a 327 ( O Pássaro da Escuridão)

cumprir um destino – realizar uma meta.

trazendo quebranto – sendo invejoso – quebranto é o mau olhado que as pessoas têm para com os outros.

como uma leve pétala na ventania – desprotegida – indo conforme o vento.

sumir terra a dentro – se esconder – vergonha.

entre segredos de senha – secreto ao ponto de ter uma senha de proteção.

o que vem aqui cheirar? – o que está fazendo aqui? – o que quer aqui? – cheirar quer dizer bisbilhotar, sondar.

inocente como um aljôfar – puro – aljôfar = pérola pequena gotas de água; orvalho.

batendo no vidro como um brusco besouro louco – agitado e sem escapatória; tentando se libertar.

vá s’imbora coió – some daqui seu tolo – coió = bobo

espreita pelo buraco da fechadura – sonda o que não pode ver – olhar pelo buraco da fechadura é querer saber dos segredos dos outros.

naquele minuto imenso – o tempo parecia curto, mas durou muito.

-mulher com minúscula – mulher sem valor – com minúscula é sem importância, pois o que se é importante escreve-se com a primeira letra maiúscula. 
Todo e qualquer nome de uma pessoa escreve-se com a primeira letra maiúscula, quando a pessoa é desqualificada nem mesmo pelo nome é chamada ou escrita, coloca-se apenas “fulana de tal” com letra minúscula.

passando em marcha estratégica – indo em frente com um objetivo.

passos soturnos – andando com tristeza, com  melancolia.

orgulho de galo – o mesmo que “cantar de galo” – ser quem manda em casa; ser o dono de tudo; mandar na mulher.

dando o ar de sua graça – aparecendo – ar da graça = antigamente as pessoas ao se conhecerem perguntavam: qual é a sua graça? O mesmo que dizer você é bem vindo... qual o seu nome?

príncipe encantado com voz de trovejo – homem bonito, gentil e com voz forte.

seja dito de passagem – colocando mais uma informação nessa conversa, mesmo que isso não seja de interesse; falando rapidamente outra informação aqui.

num só arranque – somente numa puxada; de uma vez só.

pincha longe – joga longe.

desconfiado como um rato – suspeitando – o rato tem a fama de ser esperto e desconfiado.

amarelo de susto – quem leva um susto fica com a cor meio amarelada porque a pressão cai e a cor rosada proveniente do sangue dá lugar para a palidez.

batendo os dentes – tremendo – bater os dentes acontece por causa do frio ou por causa do medo.

seu mosca-morta – pessoa parada, desanimada, sem vontade de fazer nada. Pessoa  fácil de encontrar; pessoa que não vale nada. “Na mosca” é acertar no alvo. Quando a mosca já está morta é porque não tem mais utilidade.

- surdo que nem bicho de pau –  sem escutar – bicho de pau vive enfiado dentro de um tronco, fechado lá dentro, sem escutar as coisas.

arredar a cinza, mas não encontra a brasa – não encontra o verdadeiro motivo pelo acontecimento – a cinza é feita através da brasa, é saber de uma notícia, mas não encontrar a verdade para o acontecimento.

capiangou e usufruiu o que não era seu – pegou e usou coisas de outra pessoa – capiangou = roubou; tirou escondido.

nem passando por riba do meu cadáver – nem se eu morrer – passar por cima do cadáver é o mesmo que maldizer o defunto que, por causa disso, pode voltar para tirar satisfação com quem cometeu esse despautério.

se fazendo de surdo – fingindo que não escuta – sem querer conversa.

engole os cuspos – cala a boca, não seja rude  – cuspir no chão é sinal de falta de educação – cuspir em alguém é sinal de grosseria. Engolir o cuspo é não desacatar.

passar de pato a ganso – mostrar-se melhor do que é – pato é menos que ganso – o mesmo de passar de gato à lebre.

vosmincê anda ruim da bola –  você não bate bem da bola – não tem capacidade mental.

vosmincê anda sonhando acordado – você está querendo o que não pode – sonhar acordado é desejar algo quase impossível.

-  pensar que gambá é raposa – concluir o que não é verdade. Figura no folclore nacional também numa "pega" infantil e popular: "Sabe de uma cousa?... Filho de gambá é raposa".

recuperar a moral – ter voz ativa novamente – de “moral alto” ser reconhecido como pessoa de boa índole; ter “moral baixo” ser apontado como pessoa ruim.

deixe lá de bestagem – acabe com isso – bestagem = besteira. Não faça o que está querendo porque é coisa errada.

verificar o tição fumegante – ira atrás da história – tição fumegante é o que põe fogo na conversa até virar fofoca.

gata que afaga as unhas – mulher que vai machucar alguém – pronta para atacar.
descansei na palavra dela – acreditei no que ela me disse.

zunzuns bisbilhoteiros – fofocas – bisbilhoteiros = quem vive a observar e falar da vida dos outros.

engolir a isca – cair em armadilha – engolir o engodo. Ser “fisgado” em alguma coisa.

cantava que nem pixoxó depois da muda – pixoxó é o nome popular de uma ave da Ordem Passeriformes, família dos Fringilídeos, sub-família dos Emberezídeos, gênero Sporophila.
Também é chamado de chanchão, cacatau e estalador. 
É uma ave de pequeno porte que ocorre desde o México até a Argentina e no Brasil em todas as regiões. 
Alimenta-se de sementes e habita zonas de matas, restingas, taquarais e arrozais. Tem uma vocalização forte e melodiosa, sendo muito caçado para ser criado em gaiolas. 
Uma das aves canoras mais procuradas no Brasil.

que nem uma bizorrinha roncando – fazendo muito barulho. Besouro faz um barulho semelhante ao ronco de uma pessoa.

me dando desdém – fazendo pouco caso de mim. Desdenhar = desprezar.

ferrei no sono – dormi demais; dormi profundamente.

alevantei as pestanas – abri os olhos.

afarfalhando a saia – se mostrando – afarfalhar = farfalhar = balançando ao vento. De pernas à mostra.

destaramelou a porta – deixou entrar – tramela (taramela) = tipo de tranca de porta. Destramelar é abrir. 

enjeitou viajem – não quis viajar  – enjeitar = rejeitar.

pra cortar o coração – triste – cortar o coração = ficar magoado. De cortar o coração = de deixar muito pesaroso. O mesmo que “estraçalhado o coração”.

camundongo de bichamar para o gato – coisa impossível de acontecer. Camundongo nunca irá ser amigo de gato, ainda mais chamar a atenção do gato.

fulano de tal – pessoa de quem está falando a respeito sem querer identificá-lo.

caldo ralo de galo cansado – homem velho que não tem mais energia e nem tem serventia.

por faz e por nefas - por meios lícitos ou ilícitos;  por bem ou por mal.

Página 328 a 331  ( O Pássaro da Escuridão)

o home põe a mulher dispõe – o homem trabalha e a mulher gasta o que o homem recebeu trabalhando.

atirei o que vi e matei o que não vi – tentei em uma coisa e consegui acertar outra coisa.

não paga a pena – bobagem, deixa isso para lá – “não vale a pena”.

sem saber a quantas anda – sem ter alguma notícia.

que Deus a tenha – que ela esteja em bom lugar – geralmente se usa essa expressão ao falar de pessoas que já faleceram.

olhos esbugalhados –  olhos grandes e saltados - esbugalhar = arrancar grão por grão.

é mais certo esperar pelo ovo do galo – acreditam que depois de certa idade o galo esqueça o sexo e ponha ovos.  
Em 1859, em Paris, um magistrado de Basiléia condenou um galo a ser queimado vivo por ter posto um ovo.  
Câmara Cascudo afirma em “Coisas que o povo diz” afirma que galo velho põe ovos, depondo que ele tinha um ovo de galo, posto no dia 27 de janeiro de 1952, com o  agravante de que era de um galo de briga, tendo ¼ do tamanho do ovo comum e não possuindo gema e que, pasmem, depois de certo tempo o conteúdo se petrifica. 
Voltando à expressão... esperar por um ovo de galo pode durar muitos anos!

vai despejar a tripa – vai ao banheiro fazer as necessidades.

quem não quer ser lobo não lhe vista a pele – agüente o que fez – se é bonzinho não faça papel de mal.

descer o pau – bater, dar uma surra.

torce a porca o rabo – uma coisa difícil de saber– “é aonde a porca torce o rabo” – ver o que acontece de verdade.

ditos de pateta – falando bobeiras.

cor de burro quando foge – na verdade a frase é “corro de burro quando foge” daí com o passar do tempo, ao falar rapidamente a frase a expressão ficou com “cor” e não “corro”.

desmasia de desgraça – infortúnio.

devagar com a ladainha –  fala menos, cuidado com o que vai falar – ladainha é uma antiga de oração muito demorada e que precisa de uma resposta a cada frase.

derradeira vez – a ultima vez.

sassaricotiando por aí – passeando o tempo todo – sassaricotear = saracotear = passear para cá e para lá.

bateu a mão na cumbuca – vem da expressão “macaco velho não mete a mão na cumbuca”. Para capturar um macaco a armadilha é colocar uma espiga de milho dentro de uma cumbuca amarrada em uma árvore. Ao segurar a espiga o macaco fica com a mão dentro da cumbuca e, irracional como é, não solta a espiga por nada, desta forma não escapa da captura.

bacorejando treição esperada – certo de que seria traído.

mangando com vosmicê –  zombando de você – mangando = caçoando.

espreitou a ocasião e sorveteu – aproveitou a oportunidade e desapareceu – sorveteu = desapareceu – por causa dos picolés que derretem rapidamente.

a gente se fia – a gente acredita – fiar = acreditar – fiador é quem garante que algo vai ser cumprido.

morrer de rir – rir demais até dar cãibra na barriga.

pela vida afora –  por toda a vida.

quer pau com sombra , e nada mais de pau pelado – viver bem e não passar necessidade – pau com sombra = sombra e água fresca; lugar bom – pau pelado = sem sombra, trabalho duro de sol a sol.

contar tudo tintim por tintim –  verificar se o dinheiro está certo; explicar com pormenores. 
Tintim por tintim é uma antiga locução portuguesa cuja popularidade decorre, sobretudo  do fato de ter servido como  título de uma revista teatral de Souza Bastos, que alcançou extraordinário êxito em Portugal e no Brasil. 
Aqui no Brasil foi dada pela primeira vez em agosto de 1892. Foi reencenada uma infinidade de vezes. Mas a expressão era corrente havia muito tempo,  como demonstra João Ribeiro em “Frases feitas”, citando textos de Filinto Elísio e de Malhão. 
A interpretação de João Ribeiro é de que “tim” é o som que fazem as moedas, por isso o significado é o de pagar moeda a moeda.

desamarra o bode – desfaz a cara feia – ficar de bode = ficar com a cara feia.

enquanto o diabo esfregou um olho – rapidamente, sem nenhuma demora, num abrir e fechar dos olhos – no Rio Grande do Sul há uma expressão sinonímica a essa: “enquanto lambe a orelha”.

a bichinha levantou vôo – ela foi-se embora.

num foras d’ hora – algo inesperado; sem ser aguardado.

triste que nem sapo sem água –  a alegria de um sapo é a água, seja a chuva, um rio, lagoa ou apenas um poço; sapo sem água fica jururu.

d’já hoje me danei – ainda hoje me dei mal – danar = se dar mal.

pulga atrás da orelha –  com preocupação – algo que deixa inquieto. Cachorro quando está com a pulga atrás da orelha fica cocando a orelha o tempo todo, inquieto.

dor de corno – dor de quem foi traído – corno = chifre.

mostrar os dentes de piranha – prostituta sorrindo para o homem – piranha = prostituta; o que mais se destaca nas piranhas (peixe) são os dentes.

pintar a saracura –  divertir-se fazendo travessuras; pintar o sete. 

assim é, assim será – não tem jeito, não muda.

olhos de lambisgóia –  olhos de mulher assanhada, doidivana; exibida; namoradeira; saliente; metida; oferecida; sapeca; saliente; desenxabida;  feia.

 - penetrar em particulares – sabendo da vida alheia – ter um particular  é ter uma conversa reservada, á parte dos outros, contar segredos.

nessa eu não caio – não sou idiota de acreditar.

bancar o garnisé dengoso – ser pequeno, mas ostentando elegância.




Páginas 332 a 336


ô raça pindonhenta – pessoas que sempre pedem alguma coisa – pindonhenta = pidonha = pedinte.


- bater as botas - morrer.


Esta frase é uma variante das tradicionais: "esticou as canelas", "abotoou o paletó", "partiu para a melhor".
O curioso, porém, é que se aplica apenas ao morto adulto, do sexo masculino, que tenha o costume de andar de botas ou ao menos calçado.
O sapato tem sido simbolo de qualificação social ao longo de nossa história. Provavelmente bate as botas ao morrer alguém de certas posses, ao menos remediado.
Outros mortos apenas "esticam as canelas" ou "partem desta para melhor". As origens da frase residem no bom trato despendido aos mortos, postos arrumadinhos nos caixões, com paletó abotoado. 


parceiro de caipora – parceiro de azar.

sirva Deus de testemunha – verdade – “juro por Deus” – quando quer dar veracidade ao que diz.

tinha enrabichado – foi atrás de mulher – enrabichar é correr atrás de mulher.

- xaveco esparolado – modo tagarela de “cantar” (querer namorar)  uma mulher.

trinca de mulher-à-toa –  mulheres que são  somente para passar o tempo – trinca = um punhado; mulher-à-toa = mulher que não são levadas a sério.

cara que nem capeta – cara feia.

prestar ouvido – dar atenção.

ir pros quintos dos infernos  – xingamento - no começo da colonização brasileira vinham para cá muitos loucos (naturalistas e aventureiros) e os criminosos. 


Em Portugal diziam que o Brasil era um verdadeiro inferno- o fim do mundo. A certo tempo  da exploração do ouro a corte exigiu o pagamento do “quinto” (imposto de arrecadado – 20% do outro extraído) que era conduzido em naus até Portugal. 


Os portugueses ao avistarem os navios chegando diziam  “lá a nau dos quintos dos infernos”. Daí veio o xingamento de mandar alguém para os quintos.

ir coçar barriga de onça – fazer algo difícil que ninguém faz.

não bota pé em ramo verde – não anda no mato; tem medo. quando se diz de alguém que “esse não põe pé em ramo verde” é o mesmo que dizer que é uma pessoa extremamente desconfiada. 
Uma locução corrente diz que não se deve por o pé em galho podre, ou em ramo seco, porque pode esse quebrar e a queda é inevitável, quem não põe os pés nem em ramo verde renuncia a subir nas árvores, sendo muito precavido.  Essa expressão se encontra na comédia “Filodemo” de Luis de Camões. Segundo Antenor Nascentes, ramo verde se interpreta por taverna pois em sua porta sempre tinha um ramo verde.

arremedou meu modo – fez igual a minha maneira; copiou de mim.

que nem gata assanhada – mulher que não tem vergonha; gata assanhada vive em cima dos muros atendendo ao chamado do gato.

mostrou o topete – apareceu com ares de sabe tudo – topetudo = atrevido.

fez estripulia – fez bagunça; arrumou baderna.

e patati e patatá – expressão que reproduz o som dos cascos de um cavalo em disparada e que é usada pelos brasileiros para definir um palavreado longo e enfadonho que caracteriza pessoas letradas e iletradas  que falam demais sem descanso, sempre no mesmo ritmo e por isso se tornam chatas e cansativas.

rabo-d’olho – olhar pelo canto do olho; sem que seja notado.

cara de moringa – rosto cheio, gordo.

o povo aguça a língua – as pessoas fazem fofoca – aguçar a língua = falar demais.

tique taque nos nervos – ficar nervoso – por causa do barulho do relógio que, por causa da corda, fazia tique taque, algumas pessoas diziam que “dava nos nervos” esse barulhinho.

comichão na perna – vontade de sair correndo.

tem culpa no cartório – deve algo a alguém.

xinguei nem um nominho – não falei bobagem – não disse nome feio.

eu aqui, no ora-vejam! – eu aqui esperando para saber o resultado.

sem jamais dar fé – sem acreditar.

não tenho nada com o peixe – vem da expressão “vender o seu peixe”,  quando alguém quer fazer valer o que disse; ou quer que acreditem no que está falando. Não ter nada a ver com o peixe é não compactuar com a história.

quero ser mico de circo – quero ser motivo para zombaria ou caçoada – os micos de circo faziam parte do número dos palhaços e davam motivos para muitas gargalhadas.

grota de sororoca transeunta – morada de onça – lugar perigoso.

piolho de cobra – coisa pequena, sem importância.

tou a pique de me arrebentar de rir – estou quase que achando graça em tudo isso.

meu desforro é esse – essa é minha vingança.

se nem de mim não sei – sei de nada, até mesmo perdi o sentido da vida.

tantas perdas e danos – muitas coisas ruins aconteceram.

ir tirando o cavalinho da chuva –  ainda é costume, no interior, onde o cavalo é o meio de transporte mais comum, amarrar-se o cavalo na frente da casa. Amarrá-lo sob a varanda ou em algum lugar protegido do sol é indício de que o visitante pretende demorar, o que se considera uma indiscrição pouco desculpável. 
Tirar o cavalo da chuva seria amarrá-lo na varanda ou alguma outra proteção, para que o visitante pudesse demorar-se calmamente.
Quando este esboça um gesto de partir, o dono da casa diz logo: - Pode tirar o cavalo da chuva, ou seja, pode desistir dessa pressa de partir.
A ampliação de sentido para desistir de alguma coisa, ou simplesmente desistir, é uma conseqüência do uso muito freqüente da expressão.
Amadeu Amaral afirma que não existe em português nem noutra língua um correspondente exato deste adágio.

enjerido que nem feijão de molho – enrugado demais – o feijão quando muito tempo de  molho fica todo enrugado. 

é hora de encarunchar – ficar velho – encarunchar = criar bicho porque está seco e velho; criar caruncho.

a fim de desopilar o fígado – rir demais – quando a pessoa é séria demais ele fica cheia de fel e precisa dar uma boa gargalhada para aliviar o fígado e ficar de bom humor.

- muito dada a petas e carapetas – gosta de contar lorota; petas = mentiras; carapetas = mentira inofensiva.

deixa a ver navios –  desiludir-se, não conseguir o que quer – na época das grandes navegações os portugueses ficavam em um morro chamado Santa Catarina (Lisboa) a espera de avistar as naus que traziam os lucros e outros, a espera da nau de D. Sebastião, rei de Portugal que desapareceu em batalha, na África, em 1578.

igual tocha em ofício de trevas – fica queimando; se consumindo sem parar. Tocha em ofício de trevas fica acesa até se gastar inteira.

o homenzinho dana – ele acha ruim – danar = ficar bravo.

ficar com nó no gogó – sem fala – nó na garganta – engolir seco – gogó = garganta.

pedaço de asno quadrado – burro retrógrado – asno = burro; ser quadrado = ser antiquado

é pior que juá do bem bravo – gente ruim – juá bravo é um arbusto que nasce no mato, é difícil de acabar com essa praga, em todo caule e até mesmo nas folhas há espinhos, a fruta (amarela) é venenosa.

botou reparo – percebeu isso; reparou nisso.

levante a crista – ( galo quando briga levanta a crista) – seja um homem valente; enfrente.

o que é de gosto regala a vida – para quem gosta isso basta; tem gosto para tudo.


- pensando nas uvas da raposa - vem da fábula atribuída a Esopo e que foi reescrita por Jean de La Fontaine.
Agindo muitas vezes por comodismo e por não querer obter, criando desculpas e justificativas enfadonhas.
A moral da fábula é algo como: "É fácil desprezar aquilo que não consegue-se obter facilmente".

com cara de fantasma – pálido, sem cor no rosto. O fantasma é todo branco porque lhe falta do sangue no corpo.

nas tripas da pança de uma pintada – servir de comida de onça.

não dormir com dois olhos – ficar com um olho aberto – ficar desconfiado; igualmente a expressão: “um olho dormindo, outro acordado”, diz-se das pessoas de sono leve que ficam atentas aos rumores noturnos e, às quais, nada passa desapercebido. 
É o que os ingleses chamam de: “to sleep a dog’s sleep” (dormir um sono de cachorro) e os franceses dizem: “ne dormir que d’um oeil” (dormir só com um olho).

já tou confundindo côco de grilo com crocodilo – não entendo mais nada; estou duvidoso demais.



Páginas 337 a 342 


vou tateando – procurando com as mãos; vou tentando encontrar mesmo que meio às dificuldades.

me embrome, não – não me tapeia – embromar = enganar.

tornar à vaca fria – voltar ao velho assunto; insistir em questões já debatidas. A vianda fria é um prato com que se reiniciam as refeições  e ao qual não é costume voltar, depois de servidos os pratos quentes. 
Em francês há uma expressão equivalente: “revenons a nos moutons” (voltaremos aos nossos carneiros), cuja origem é literária.

sem querer distorcer a conversa – sem quer desviar o assunto.

foguinho de cachaça – ficar um pouco bêbado por tomar aguardente.

pra mor de guentar seu tragadeiro – para ir beber pinga.

um pastelinho de brisa – pastel sem recheio – sem coisa que preste.

tenho uma gana – me dá uma vontade.

cirandando no mundo – dando voltas por aí.

cruza os dedos nos lábios – faz juramento pelo que fala.

história pra boi dormir – conversa sem importância; “história mole para boi dormir” esta frase nasceu quando o boi era tão importante que dele só  não aproveitava o berro. Tratado quase como pessoa, com ele os  pecuaristas conversavam, não, porém, para fazê-lo dormir. Nas touradas, quando o boi ainda é touro, até a sua fúria compõe o espetáculo.
Na copa de 1950, o Brasil venceu Espanha por 6 a 1 e quase 200 mil  pessoas cantaram touradas em Madrid, de Carlos Alberto Ferreira Braga, o Braguinha, que termina com este verso: "Queria que eu tocasse  castanholas e pegasse um touro a unha/caramba, caracoles/não me  amoles/pro Brasil eu vou fugir/ isso é conversa mole/ para boi dormir".

- irmão do vento e filho do relâmpago – pessoa rápida.

surrupiou meus mil-reizinhos – tirou escondido meu “pobre” dinheirinho – surrupiou = roubou.

ser bocó – ser muito idiota – em Minas tem a expressão “ ser bocó de argola”, ser pra lá de idiota.

nem pintada – de maneira alguma – “nem pintada de ouro”, não quer saber da pessoa nem mesmo que ela estivesse rica.

pensa lá com seus botões – pensa consigo mesmo – seus botões = algo só seu.

ensinar padre nosso para vigário – ensinar quem já sabe; é o mesmo que dar lições a quem não precisa, sem a competência necessária para fazê-lo.

dessa mata não sai coelho – não terá explicação – dali não sairá a resposta para o que quer saber – nas caçadas, procurar no mato um coelho é ter lucro do dia; não encontrar coelho é sair perdendo.

pior a emenda que o soneto – o conserto ficou pior que o original. Querendo uma avaliação, certo candidato a escritor apresentou um soneto de sua lavra ao poeta português Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805) pedindo-lhe que marcasse com cruzes os erros encontrados. 
O  escritor leu tudo, mas não marcou cruz nenhuma, alegando que elas seriam  tantas que a emenda ficaria ainda pior do que o soneto. A autoridade do mestre era incontestável. Bocage levou essa forma  poética a tal perfeição que fazia o que bem queria com um soneto,  tornando-se muito popular, principalmente em improvisos satíricos e espirituosos, pelos quais é conhecido.

isso é caveira de burro – quando os empreendimentos são desastrados, planos não realizados, sequência de insucessos. Por mais precauções que sejam feitas, mesmo assim acontecem falhas, indo à falência injustificada e misteriosa.
O burro, por sua vez é um bicho excelente, teimoso, resistente, inesgotável.  Se alimenta do que encontra no caminho, inclusive papel, agüenta a fome, a sede e o excesso de carga. Realmente o jumento é credor de gratidão nacional. Animal de profunda inteligência, raciocínio arguto, prodigioso instinto.  
Porém o folclore consagrou o burro injustamente como modelo de estupidez, bestialidade e obstinação irracional. Quase todos animais têm representação de bons agouros, menos o burro. Maltratado, injustiçado  na consideração dos homens. Nenhuma assistência, afago, compreensão por parte do dono. 
Não há tempo bom para a vida de um burro-jumento. Por isso diz-se que onde há caveira de burro o lugar não vai para frente, não tem sucesso.  Pois sua caveira recordará uma existência funcionalmente desgraçada.  “Caveira de burro” testifica este cortejo infeliz. Sem satisfação material, anuncia miséria.


5 comentários:

  1. PARABÉNS, RITA ELISA!!!
    LINDO TRABALHO DE RESGATE DE EXPRESSÕES CULTURAIS!!! ISSO É UM POUQUINHO DO BRASIL...ESSE BRASIL QUE CANTA, ENCANTA, E É FELIZ...NOSSO PAÍS, É REALMENTE ABENÇOADO POR DEUS E BONITO POR NATUREZA...QUE BELEZA!!! É BONITO DEMAIS, LER ESTAS EXPRESSÕES...SOU DESCENDENTES DE MINEIROS....MUITA COISA QUE AQUI ESTÁ REGISTRADO, EU OUVI, E OUÇO ATÉ HOJE DE MINHA MÃE E TIOS...OUTRAS SÃO NOVIDADES....É RICA DEMAIS A SABEDORIA POPULAR....CHEIA DE SIGNIFICADOS, DE SENTIMENTOS, DE VIDA.....AMO MUITO TUDO ISSO!!! MAIS UMA VEZ, RITA ELISA, PARABÉNS!!! CONTINUE NOS PRESENTEANDO COM TRABALHOS COMO ESTES ... QUE CALAM EM NOSSOS CORAÇÕES, EM NOSSAS ALMAS....

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  2. Silvinha, esses termos culturais são provenientes do Sul de Minas, mas, ao estudá-los encontrei um alinhavo em todos eles unindo todo Brasil. Bom demais! Beijos.

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